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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

REVISITAR AS MINHAS ORIGENS - SÃO PEDRO DO SUL

(Paços do Concelho de São Pedro do Sul)



 (Igreja do Convento de S. José/S. Francisco - São Pedro do Sul)



 (Troço da Rua Serpa Pinto, junto à Praça da República - São Pedro do Sul)


 (Balneário Rainha Dona Amélia - Termas de São Pedro do Sul)


  (Balneário Rainha Dona Amélia - Termas de São Pedro do Sul)



  (Balneário Rainha Dona Amélia - Termas de São Pedro do Sul)



 (Fonte de águas termais - Termas de São Pedro do Sul)



(Decoração natalícia 2013 - junto aos balneários das Termas de São Pedro do Sul)




(Rio Vouga e balneário D. Afonso Henriques - Termas de São Pedro do Sul - imagem noturna)



(Rio Vouga e Balneário D. Afonso Henriques - Termas de São Pedro do Sul - imagem diurna)




(Palácio do INATEL - Termas de São Pedro do Sul)


domingo, 15 de dezembro de 2013

SINOPSE DO ROMANCE "E AGORA?", NOTAS BIOGRÁFICAS E FOTOGRAFIA DO AUTOR

SINOPSE DO ROMANCE "E AGORA?"

A complexidade da vida humana, no seu constante deambular em busca da felicidade, confronta-nos, amiudadas vezes, com variadíssimos desafios (...).
O que verdadeiramente nos distingue uns dos outros é a diferente postura que cada um vai assumindo perante os mesmos, ora tentando superá-los de uma forma mais ou menos emotiva, mais ou menos racional, mas sempre digna, com respeito pelos mais elementares valores e sentimentos alheios; ora deixando-nos mergulhar num certo laxismo, soçobrando a eventuais concepções pré-deterministas que, naturalmente, a condicionam; ora enveredando pelos caminhos obscuros da vingança, que em nada dignificam quem os segue e donde nada resulta senão infelicidade.
“E Agora?” leva-nos a ter de traçar, no palco dramático da nossa existência, um novo rumo, a cada encruzilhada, onde a sobranceria, a indiferença, a crença, o preconceito, o trauma, a tenacidade, a humildade, a razão, a solidariedade, a esperança e o amor marcam encontro e se digladiam.




NOTAS BIOGRÁFICAS

Miguel Henriques, de seu nome completo Miguel António Henriques Rodrigues, nasceu em Pinho, São Pedro do Sul, distrito de Viseu, em 25 de Dezembro de 1953, e aí viveu até aos 20 anos, altura em que ingressou no serviço militar obrigatório, tendo, por razões de natureza profissional, passado a residir no Porto, a partir de Dezembro de 1976.
Iniciou os seus estudos liceais no extinto Externato S. Tomás de Aquino, sito na sede do concelho, vindo a concluí-los, já como trabalhador-estudante, na Escola Secundária Almeida Garrett, em Vila Nova de Gaia.
                Em 15 de Janeiro de 1974, assentou praça no Regimento de Infantaria n.º 5, nas Caldas da Rainha, onde fez a recruta, transitando de seguida para o Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, onde concluiu com aproveitamento o respectivo curso (Rangers). Graduado em Furriel Miliciano de Infantaria, foi, posteriormente, colocado no Batalhão Independente de Infantaria n.º 18, em Ponta Delgada, S. Miguel, Açores, tendo dali partido para Angola, em 30 de Novembro de 1974, integrando a 3.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4810/74, no cumprimento de uma comissão de serviço que durou até finais de Outubro do ano seguinte, vésperas da independência daquela ex-província ultramarina portuguesa.
                Ingressado na Polícia Judiciária, em Maio de 1977, ali permaneceu ao longo de cerca de 30 anos, com a categoria de inspector, sendo que, nos últimos cinco, provido, interinamente, no cargo de inspector-chefe. Cumpriu toda a sua carreira na, então, designada Directoria do Porto.
                Em 1991, como trabalhador-estudante, concluiu a sua licenciatura em Direito, na Universidade de Coimbra.
                Pré-aposentado a seu pedido, em Janeiro de 2007, frequentou, no ano seguinte, o estágio para advogados, no Centro de Formação da respectiva Ordem, no Conselho Distrital do Porto.
                Foi colaborador, durante vários anos, do trimensário regionalista “Tribuna de Lafões”, com sede em São Pedro do Sul, bem como da extinta Revista de Investigação Criminal, editada pela Polícia Judiciária.
                É autor do conto “Aterrorizado!” e dos poemas “Aos Polícias”, “Ansiedade” e “Os Meus Sonhos” que integram a obra “Um Outro Olhar – Antologia I, Poesia, Contos e Outras Narrativas”, editada pela Polícia Judiciária.




(O AUTOR)
                                                                                             

(Lançamento do romance "E AGORA?", no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

COMENTÁRIO AO MEU ROMANCE "E AGORA?", no blogue As Leituras do Corvo

Quarta-feira, 18 de Janeiro de 2012
E Agora? (Miguel Henriques)
Define-se este livro como a história de um inspector da Polícia Judiciária e do seu papel no mundo, tanto enquanto investigador, como nas complexidades da sua vida pessoal. História de um homem e do mundo em seu redor, das experiências que lhe terão marcado a vida e das complexidades dos que com ele convivem. De mistérios e de paixões, de crimes resolvidos e por resolver, das situações que se encerram e das que ficam sem resposta. De vida, em suma, com o que se completa e o que sempre fica em aberto.
Importa dizer, antes de mais, que este não é um livro de leitura compulsiva. Há bastantes detalhes a serem desenvolvidos e uma fase inicial onde predomina a descrição. Isto faz com que a história avance de forma lenta, insinuando-se aos poucos na memória do leitor, de forma a que a curiosidade vai surgindo aos poucos, numa narrativa bastante pausada, mas com uns quantos pontos de interesse. Além disso, o que parece, por vezes, ser uma história de mistério acaba por se revelar algo bem diferente. Esta não é a história do suicídio que fez com que, pela primeira vez, os caminhos de Cassiano e Mónica se cruzassem. Ou, pelo menos, não é essa a história principal. Assim, o que parece ser a linha principal do enredo acaba por ser apenas uma de muitas situações que se cruzam para definir uma vida. Porque é, afinal, a vida de Cassiano o foco principal deste romance.
Nota-se, ao longo de toda a narrativa, a vontade de transmitir uma mensagem, tanto a nível do que será a vida de um inspector, como dos valores que definem o protagonista. Isto é algo que, por vezes, resulta em diálogos extensos e, nalguns momentos, demasiado explicativos, mas que acaba por não prejudicar grandemente o ritmo da narrativa, já que o ritmo se adequa ao tom pausado e descritivo que define, afinal, grande parte do romance. E a mensagem é transmitida, de facto, e tanto por esses momentos de reflexão como pelas situações de surpreendente intensidade que, por vezes, surgem no decorrer do enredo.
Não sendo uma leitura fácil, quer pelo ritmo lento quer pela abundância de temas sobre os quais reflectir, fica, ainda assim, desta leitura, uma opinião final bastante positiva, principalmente devido à empatia que, com todas as dificuldades de percurso, o protagonista vai, aos poucos, conquistando ao leitor. Interessante e envolvente q.b., gostei de ler.
Publicada por Carla Ribeiro em 16:04 http://img2.blogblog.com/img/icon18_edit_allbkg.gif


APRESENTAÇÃO DO AUTOR MIGUEL HENRIQUES, a cargo de José Carlos Moreira, na cerimónia de lançamento do romance "E agora?"



Miguel Henriques, o Autor que ora tenho o privilégio de vos apresentar, não se pode considerar um estreante nas andanças da arte literária. Mas, já lá vamos.
Miguel Henriques nasceu quando se festejava o solstício de Inverno do ano de 1953. Nesse dia, a freguesia de Pinho, do concelho de S. Pedro do Sul, aumentava a sua densidade populacional com mais um rebento; e a Literatura, ainda sem o saber, acabava de fazer um investimento. Investimento esse que, ao fim de uns anos, acabaria por dar os seus frutos e acabaria por resultar numa Literatura ainda mais rica.
Até aos seus vinte anos, Miguel Henriques foi-se mantendo pelo torrão natal. Em Janeiro de 1974, quando o “25 de Abril” já despontava no horizonte, a Pátria chamou-o a empunhar armas. Munido da respectiva e indispensável guia de marcha, apresentou-se no Regimento de Infantaria 5, nas Caldas da Rainha. Ali aprendeu como se comportar nas fileiras militares, com tudo o que essa aprendizagem implicava, na altura, bem como ficou a saber que, mais dia menos dia, teria de se desunhar numa das então chamadas “províncias ultramarinas”, também conhecidas por “Portugal de além-mar” que, isto numa altura em que “além-mar” ainda se escrevia com hífen. Actualmente, não se escreve. Nem com hífen, nem sem hífen. Não se escreve, ponto final.
Adiante.
Concluída a recruta, ou seja, o equivalente ao ensino básico, poder-se-ia presumir que o mancebo transitasse para o correspondente ao ensino secundário. Mas não: saltou logo para um curso superior, ou seja, Centro de Instrução de Operações Especiais. E se não sabem o que é que isto significa, sigam o meu conselho: não queiram saber, principalmente se forem facilmente impressionáveis. Se já sabem, não é preciso explicar mais nada.
Miguel Henriques estava, ainda, naquela idade em que a personalidade está em formação. Aliás, deixem-me que diga que a personalidade não se forma em determinada idade, ou estádio da vida, ela está a ser continuamente formada, desde o momento do nascimento até ao último suspiro. O que pode haver é momentos ou situações que, de algum modo, ou de vários modos, contribuem para moldar ou acentuar ou esbater certas facetas dessa formação. Por exemplo, muitos ateus tiveram aulas de catequese e fizeram a comunhão, muitos pacifistas foram militares. Muitos remediados tornaram-se ricos e ainda hoje não sabem – perdão: não conseguem – explicar como isso aconteceu. Aliás, o exemplo mais acabado da formação contínua das personalidades aconteceu com o 25 de Abril, que permitiu concluir que, afinal, Portugal albergava dez milhões de democratas que detestavam Salazar. 
Teias que a formação da personalidade tece…
Pois bem, após ter sido submetido ao curso de operações especiais que, aliás, concluiu com aproveitamento, facilmente se suporia que Miguel Henriques se transformaria numa personagem endurecida pelas agruras da vida militar, que não se ficou pelo que atrás se descreve; com efeito, o então jovem mancebo – e isto não é um pleonasmo, já que Miguel Henriques continua a ser um mancebo, embora mais entradote na idade – dizia eu que o então jovem mancebo ainda foi cumprir uma comissão de serviço a terras de África, mais exactamente Angola.
Não, não foi o que aconteceu. Miguel Henriques não se transformou na tal personalidade endurecida. A testemunhar esta minha afirmação, está o conteúdo da obra que agora é dada à estampa.
Mas prossigamos.
Depois de se ter visto livre da farda, da G3, do Alferes e do resto da hierarquia – não por esta ordem, necessariamente – isto é, depois de finda a comissão de serviço em Angola, Miguel Henriques passou à peluda e ingressou na Polícia Judiciária. Ali se manteve durante trinta anos, até à aposentação.
Miguel Henriques não é um neófito, nas artes literárias. Foi colaborador do trimensário “Tribuna da Lafões”, e deu sobejas provas da sua arte em escritos deliciosos com que ornamentava a extinta “Revista de Investigação Criminal”, de tão boa memória, editada pela então Directoria do Porto da Polícia Judiciária. Mas não se ficou por aqui: também são da sua autoria o conto Aterrorizado, e os poemas Aos Polícias, Ansiedade e Os Meus Sonhos, que fazem parte de uma obra editada pela Polícia Judiciária. Essa obra, denominada Um Outro Olhar, foi o primeiro volume de uma Antologia literária. Primeiro e último, manda a verdade que se diga, e que incluía trabalhos de vários funcionários da corporação.
Eu não queria falar da obra, porque não me sinto com tal direito. É ao Autor que compete tal desígnio, e o meu privilégio consiste em apresentar o Autor, e não a obra. Mas não é fácil falar de um sem falar da outra. O Autor e a obra estão tão intimamente ligados, que a dissociação é praticamente impossível. Uma vez, alguém disse que escrever um livro é como ter um filho, e nessa altura eu sorri ironicamente; já era pai, mas não tinha escrito nenhum livro – o que justificava esse sorriso irónico. Hoje, sei que é verdade. Um livro, tal como um filho, transporta muito da personalidade do seu autor, as suas angústias, as suas alegrias, os seus medos, enfim, a sua existência.
O seu ADN.
A obra que vos vai ser apresentada, não se limita a ser um romance. Aliás, se se limitasse, cumpria perfeitamente a sua missão. Mas este livro consegue ir mais longe: este livro é um poema! Um poema à vida, um poema ao amor. O autor não conseguiu – provavelmente nem tentou e eu, particularmente, entendo que teria errado, se tentasse – o autor não conseguiu, dizia eu, desligar a sua veia poética do romance da vida. Porque este é um romance de vida. E a vida também é poesia – apesar de tudo. Depois, Miguel Henriques domina uma arte que não é fácil, e eu sei do que falo: ele não se limita a descrever as personagens, o leitor é forçado a encarnar a personagem, o leitor transforma-se na personagem. Miguel Henriques não se limita a descrever os locais, ele consegue transportar o leitor até aos locais, o leitor está lá dentro. O leitor não está sentado no sofá a ler o romance, o leitor está dentro do romance.
Uma badalada estridentemente desferida na cupidez patronal pela brônzea imparcialidade do aristocrático carrilhão dos Clérigos…
Assim começa o livro. E isto é poesia! E a poesia não tem, obrigatoriamente, que ter rima e métrica. A poesia não tem de ser, necessariamente, o mavioso chilrear de um pássaro, ou o desabrochar de uma rosa, ou a neve que caía do azul cinzento do céu, branca e leve, branca e fria. A poesia também pode estar numa badalada estridentemente desferida. O que é preciso é ter sensibilidade para encontrar a poesia. E sensibilidade é coisa que não falta ao Miguel Henriques, e este livro é disso precioso testemunho.

Fernando Pessoa disse – e deixou escrito – que
O Poeta é um fingidor.
Finge tão completamente,
Que chega a sentir que é dor
A dor que deveras sente.

Ou seja: o Poeta é um sofredor. E como não podia deixar de ser, neste livro também há sofrimento. Pois não disse eu, que este livro é um romance de vida? E que a vida é poesia? E que poesia é, também, sofrimento?
Mais adiante, encontramos este pedaço de dor: Madrasta é a sorte para aqueles (…) que se viram forçados a sobreviver à custa do leite escasso e quantas das vezes amargo, prodigalizado a conta-gotas, quando não supletivamente mendigado a um ou outro seio generoso da vizinhança, em fase de desmame…
Isto é dor. A dor que deveras se sente.
Desejo-vos uma boa leitura. Porque agradável, ela será. Garantidamente.


Obrigado pela vossa atenção.

APRESENTAÇÃO DO AUTOR DO ROMANCE "E AGORA?"

LANÇAMENTO DO ROMANCE “E AGORA?”, realizado na Biblioteca Almeida Garrett, Porto, em 30-06-2012, pelas 16 h.

Ora muito boa tarde a todos.

Em primeiro lugar, permitam-me que os cumprimente, pois é uma honra tê-los connosco, neste momento tão especial em que apresentamos à cidade e ao mundo o meu neófito literário, o produto da minha primeira aventura a solo, no domínio da ficção.
Meus caros amigos, se tivesse de contextualizar a concepção deste meu primogénito, diria que teve na sua génese dois factores, a saber:
— Primeiro, o da NECESSIDADE.
Com efeito, quando somos surpreendidos por algo que nos emociona ou nos perturba, a não ser que soframos de uma misantropia mórbida, sentimos uma necessidade premente de desabafar, de partilhar com alguém a alegria ou a dor que nos vai na alma.
É próprio da natureza humana e da nossa condição de seres societários e, muitas das vezes, sabemo-lo por experiência própria, basta que haja alguém que nos oiça, que nos dê uma palavra de compreensão, de carinho, de conforto, e aquilo que se nos afigurava como que um drama monstruoso acaba, afinal, relativizado, subestimado e de reduzido impacto no nosso bem-estar emocional e, por consequência, na nossa vida.
Ora, neste caso, feliz ou infelizmente, foi essa necessidade de desabafar, a que esteve na origem deste livro, em que o autor dá corpo e alma a Cassiano Alves, um inspector da Polícia Judiciária que, em dado momento da sua carreira, se sentiu de certa forma injustiçado e não quis deixar que isso viesse a afectar o seu desempenho, enquanto profissional zeloso, impoluto, responsável, que sempre considerou o cumprimento do seu dever como uma espécie de missão para com a sociedade acima de qualquer humana contingência, fosse ela própria ou alheia, nomeadamente, causada por quem quer que fosse que, por qualquer razão, um dia, se lhe tivesse atravessado no caminho e, legitimamente ou não, tido o poder de decidir do seu futuro.

Decididamente, não iriam ser esses escolhos profissionais, esses acidentes de percurso, nem uma ou outra atitude menos abonatória de um ou outro quadro superior da instituição que o iriam impedir de manter a sua verticalidade, de beliscar a sua consciência ética e deontológica, de prosseguir o seu caminho, de cabeça erguida, dignificando sempre a instituição que um dia o acolheu e que muita honra sempre sentira em representar.

Daí que o autor tenha, solidariamente, feito coro com Cassiano Alves, impelido por essa necessidade de exorcizar os fantasmas que lhe povoavam — ou com que lhe povoaram — o horizonte profissional e a própria mente, acabando por funcionar também como uma espécie de terapia, a bem da saúde própria, sobretudo da psíquica, mas com os seus óbvios reflexos na física e, como consequência, do seu relacionamento com os que o rodeavam e da função que profissionalmente desempenhava.
Trata-se, então, de um romance autobiográfico! — dirão alguns.
Não, não se trata de um romance autobiográfico, pese embora esse tal inspector Cassiano Alves tenha muito a ver com o autor, pois trata-se de uma personagem a quem este emprestou algumas das suas qualidades, aspirações, sentimentos, quiçá também alguns defeitos.
Mas não é seguramente o autor, nem a trama que o envolve tem a ver com algo vivenciado por este, salvo, eventualmente, um ou outro pormenor, ou não se tratasse, afinal, de factos verosímeis.
De resto, sublinho-o, trata-se de uma obra de ficção que a mim, enquanto autor, muito me aprouve realizar, pois, perdoem-me a expressão, após 30 anos de serviço na área da investigação criminal, confesso que já estava cansado de ser mero veículo de declarações alheias que, pela sua necessária objectividade, não podem nem devem conceder margem à criação artística, sob pena de poderem vir a frustrar a prova a que se destinam.
Um livro cujas páginas foram surgindo muito lentamente, nos intervalos dos autos e dos relatórios processuais, sem um rumo pré-definido, fluindo como a água que se vai espalhando pelos sulcos que encontra pelo caminho.

Um livro em que, a cada revisão — e tantas elas foram! — incontáveis as horas nele gastas, surgia sempre algo a acrescentar, a alterar ou a elidir.

Alguém terá dito que um autor gasta mais tempo a escrever um livro do que o somatório das horas gastas por todos os que o vão ler.
Será, obviamente, relativo, mas não deixa de traduzir o labor mental e estético que temporalmente implica.
Porém, no meu caso, foi feito por puro ludismo, pelo simples prazer da escrita e da imaginação, coisa em que, sinceramente, julgo não ser lá grande coisa, já que, não fosse o desafio da Papiro Editora e, por certo, ainda hoje não passaria de pouco mais de um megabyte no disco rígido do meu computador, fazendo companhia a outros escritos semelhantes, seus contemporâneos ou até mais antigos que por lá permanecem.
A verdade é que até eu próprio, por vezes, me surpreendia com o fluxo de ideias com que ia construindo o enredo.
Mas a criação do enredo até nem é onde se consome mais tempo. Falo por mim, obviamente, um novato nestas coisas.
Onde, sem dúvida, o tempo se escoa mais rapidamente, nem se dá conta, é na componente estética, aquilo em que grande parte dos leitores não repara: o ritmo da escrita; a palavra certa no lugar certo, para que a imagem nos impressione; a cor; o som; o cheiro, enfim, todas essas sensações sinestésicas que, por vezes, nos convidam a interagir com as personagens.
Costumo dizer que ler um romance é como fazer uma viagem mais ou menos longa em autocarro de turismo.
Há aqueles passageiros que o que querem é chegar o mais rapidamente possível ao destino, ansiosos por o conhecerem. Até são capazes de tomar um comprimido para adormecerem na viagem.
Outros, como é o meu caso, gostam de a fazer acordados, para irem contemplando a paisagem, apreciando toda a sua imensa variedade e beleza, sendo o destino apenas o termo da viagem.
Voltando ao meu livro, direi que os factos narrados e as emoções que os envolvem, não sendo verdadeiros, nem por isso deixam de ser verosímeis, recortados na vida real uns, na virtual outros, mas todos eles susceptíveis de acontecer ou quiçá de até já terem acontecido a alguns de nós.


— O segundo factor, uma espécie de causa próxima, que me levou a publicar o livro foi exactamente o da OPORTUNIDADE.
Aqui deixem-me realçar, em primeiro lugar, esta vaga de atentados à Língua Portuguesa perpetrados por aquela que venho alcunhando de “a geração SMS” e pelo famigerado acordo ortográfico.

Minha pátria é a língua portuguesa” disse Fernando Pessoa, pela voz do seu semi-heterónimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego.

Hoje em dia, a nossa língua, a língua de Camões, de Fernando Pessoa, de Eça de Queiroz, de Camilo Castelo Branco, e, enfim, de tantos outros baluartes da portugalidade, tem vindo, na minha óptica, a ser extremamente maltratada.

De tanto se abreviar, quase se extingue, quer a escrita quer a falada.

Já poucos cuidam de saber porque é que certa palavra se escreve ou deve escrever desta ou daquela maneira, qual o seu significado etimológico, se chegou até nós por via erudita, se por via popular, se por evolução semântica ou se se trata, pura e simplesmente, de um qualquer neologismo.

Aliás, basta estarmos minimamente atentos, e logo nos aperceberemos de que, não sei se por ignorância, se por snobismo, se por ambas as razões, tropeçamos a todo o passo com estrangeirismos, quer na linguagem falada quer na escrita, quando temos termos genuinamente portugueses para significar exactamente o mesmo.

Confesso que bem me custa assistir a uma tal inquinação desnecessária da nossa língua.

Segundo os mentores e adeptos do famigerado Acordo Ortográfico, a pretexto de a língua ser uma entidade viva, dinâmica, esta deverá ajustar-se aos novos tempos, à medida que vai cruzando a história.

O problema é que esse ajustamento, na minha óptica, vem sendo feito sem o devido respeito pelos princípios e regras que enformam a genuína Língua Portuguesa, a nossa língua, transformando-a, a pretexto de um certo universalismo geográfico, numa espécie de caldeirada com todos, onde os ingredientes são misturados a esmo e depois o resultado há-de ser o que Deus quiser.

Prevalece o critério fonético — dizem eles.

«Que bom, assim, escrevo como pronuncio ou como oiço pronunciar! Quero lá saber da sua raiz etimológica e como é que o vocábulo evoluiu ou chegou até nós com o actual significado! O que é preciso é que a gente se entenda!» — sustentam aqueles que encontram nesse critério um bom disfarce para uma certa dose de ignorância linguística.

Nesta lógica, qualquer dia, apesar de sermos um país territorialmente pequeno, cada um está legitimado a escrever como se linguareja na respectiva região, e a língua, em vez de ser um factor de unidade, passará a ser factor de divisão nacional.
Como se já não bastasse o sermos um país suficientemente pequeno…!

Já estão a imaginar o que será o Hino Nacional a ser cantado numa série de dialectos regionais! Uma verdadeira Babel lusa!


Em segundo lugar, enquanto alguém que dedicou toda a sua vida activa — para os que eventualmente o não saibam, já estou pré-aposentado há alguns anos — ao serviço desta brilhante instituição que é a nossa Polícia Judiciária, não poderia ficar indiferente à sua fusão num qualquer outro Órgão de Polícia Criminal, perdendo-se uma referência histórica no combate à criminalidade e na prossecução da Justiça.
Ora, a tão propalada e não menos polémica questão do enamoramento de outras forças policiais, seus dirigentes e certos políticos, pela Polícia Judiciária, apesar de sexagenária — conta já 66 anos — não é, de todo, um fenómeno recente.
Alegam maior eficácia operacional, melhor rendibilização dos meios, maior economia, como se a grande maioria dos políticos e dirigentes deste país alguma vez se tivesse preocupado com isso! Enfim!
A verdade é que já outros países implementaram um tal modelo e o resultado foi, eles próprios o vieram a reconhecer, um completo fracasso.
Sinceramente, muito me custaria ver uma P.J., por muitos considerada das melhores polícias de investigação criminal do mundo, apesar da escassez de recursos com que sempre se debateu, ser desviada do seu histórico objectivo que esteve na sua origem e sempre a caracterizou: o de auxiliar da acção da justiça na consecução do seu objectivo último, como seja a realização do justo enquanto valor não apreensível por qualquer poder ou regime político instalado.
Mesmo assim, tal como está, a justiça já vem sendo o que se vê, infelizmente. O que seria, pois, se tivesse outros interesses a condicionarem-lhe a acção e a subverterem-lhe os fins!
Recuso-me sequer a imaginar.

Por último, deixem-me dizer-lhes duas palavras acerca do título deste livro e seu conteúdo, já que a apreciação da obra em si é trabalho que deixo para os meus estimados leitores.
E AGORA?”
Quantos de nós, ao longo das nossas vidas afectivas, profissionais, enfim, já não nos deparámos com contratempos, obstáculos, na nossa caminhada para a felicidade, que nos fizeram levar as mãos à cabeça, como quem se sente perdido numa encruzilhada e completamente às escuras?!
Com efeito, a primeira pergunta que nos ocorre, numa situação dessas, depois de nos lastimarmos, ou de verberarmos a má sorte, é exactamente: “E AGORA?” O que vou eu fazer? Como é que vou sair disto?
E é nesse preciso momento de angústia e reflexão, nesse balanço dramático em que inventariamos os estragos, que temos de encontrar uma resposta para a dita pergunta, definindo novos rumos, traçando novas coordenadas, porque a vida assim o exige, nem que para tal tenha de se passar uma esponja sobre as mágoas, lamber as feridas, remover os destroços de todas as batalhas perdidas e limpar as armas, para, se necessário, recomeçar tudo de novo, como muito a propósito sugere o aspecto gráfico do “G” de “AGORA”.

Parafraseando Ortega Y Gasset, «Eu sou eu e a minha circunstância».
E a minha circunstância é todo o universo em que me situo, seja o meu mundo interior seja o exterior.

Circunstância que tanto pode ser determinada por factores intrínsecos, como extrínsecos ao sujeito, como até por ambos.

Ora, é nesta permanente dialéctica entre o eu e a minha circunstância e a sua tão necessária quão possível harmonização que o ser, se é que o é, se vai construindo e o caminho se vai fazendo.

Um caminho que, todos o sabemos, não é linear, nem de sentido único.

Está cheio de altos e baixos, de obstáculos e encruzilhadas, tanto nos podendo conduzir ao sucesso como ao fracasso.

E é nesse confronto dramático com o fracasso que, volto a repeti-lo, a pergunta mais insistentemente nos assalta: «E AGORA?».

É, pois, de dramas, de emoções, de êxitos, frustrações e muitos outros sentimentos e preocupações que este livro, enquanto romance, trata.

Irão, por certo, ao longo da sua leitura, deparar com sensibilidades diversas e contraditórias entre as suas personagens, com vidas e comportamentos de alguma forma condicionados por preconceitos, mitos, com momentos em que a razão e a crença, a ciência e a fé conflituam, em que os verbos ser e amar nem sempre têm o mesmo significado.

«Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela» — escreveu, um dia, Fernando Pessoa.
De facto, parece que somos inexoravelmente forçados a viver mais ou menos entalados entre estas duas condicionantes do nosso pensar, do nosso agir para com nós próprios e para com os outros.

Mas, e apenas para concluir, permitam-me que volte a citar Fernando Pessoa:
«Façamos da nossa falência uma vitória. Uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual. Se a vida não nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja com a sombra dos nossos sonhos…»

Enfim, coisas da vida!

Espero, sinceramente, que o livro seja do vosso agrado e que experimentem tanto gozo ao lê-lo, como eu experimentei ao concebê-lo, apesar da sua longa gestação.

Mais uma vez, a todos o meu muito obrigado.


                                        Miguel Henriques

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

ATERRORIZADO

ATERRORIZADO[1]

Decorria a hora de almoço, quando a campainha do palacete da Pereira Reis, onde funcionam instalações da Polícia Judiciária do Porto, soa insistentemente. Pelo videoporteiro, o inspector de serviço pôde descortinar a silhueta de um cavalheiro que aparentava os seus cinquenta e tais, exibindo um minúsculo cartão que, todavia, lhe não fora possível identificar. Perguntou quem era, e a resposta não tardou, disparada de súbito, em tom de súplica desesperada.
– Por favor, deixe-me entrar, senhor inspector! Estou a ser perseguido por uma corja de bandidos que me querem matar.
– Não querem lá ver que é mais um daqueles dementes que andam por aí a bater nas costas das pessoas, junto às paragens doa autocarros, a pedir cigarros ou «uma esmolinha por alma de quem lá tem»! A culpa disto tudo é de quem instalou a Polícia Judiciária nas proximidades do Conde de Ferreira – murmurou o investigador. Porém, fingindo não ter entendido a súplica, insistiu:
– Faça o favor! O que é que o senhor deseja?
E o indivíduo, ofegante, volta à carga, no mesmo tom de desespero:
– Abra-me depressa a porta, senhor inspector, senão eles matam-me!
Apercebendo-se do medo que o transia – afinal, os loucos também sofrem! –, o investigador manda-o entrar e permanecer encostado ao portão, da parte de dentro, onde ninguém, seguramente, lhe faria mal, até que alguém o fosse atender. Seguidamente, abre-lhe o portão através do comando electrónico, e eis senão quando vê entrar, de rompante, ar assustadiço, um sujeito de compleição física razoável, na casa dos quarenta, de cartão entalado entre o indicador e o polegar direitos, bem içado para que toda a gente o visse, olhando insistentemente para trás, completamente aterrorizado. Avançou uns metros e aguardou por ali, sondando com o olhar o prédio, de alto a baixo, e suas imediações, na expectativa de vislumbrar alguém que se apressasse a vir em seu socorro.
Fechado o portão, o inspector assoma à janela do 2.º piso, de onde, para o tranquilizar, o aconselha a ter calma, pois ali ninguém lhe fará mal, prometendo-lhe descer de imediato para o atender. E, absolutamente em pânico, o cavalheiro volta de novo a exibir-lhe o minúsculo cartão que, de lá do alto, obviamente, o inspector nunca poderia identificar. Contudo, apesar da distância, ainda pôde perceber pelas suas palavras trémulas de pavor, a corroborar a identificação, que era reformado das Actividades Económicas.
Desceu ao seu encontro, deparando com um indivíduo verdadeiramente possesso, mascando umas pastilhas, provavelmente medicinais, que exalavam um intenso hálito desagradável e apresentando os cantos da boca orlados de uma matéria esbranquiçada. Verificou o tal cartão, confirmando a identidade que já lhe havia fornecido verbalmente.
– Com que então, querem matá-lo, é, esses bandidos? – indagou o investigador, simulando ter acreditado, uma vez que a intuição já lhe havia feito o diagnóstico.
– Querem, sim, senhor inspector. Acuda-me, por favor! Está lá fora um batalhão de indivíduos armados até aos dentes; aquilo é metralhadoras, caçadeiras, punhais, e olhe, vieram a perseguir-me até aqui e querem matar-me – e sem que conseguisse acabar de tartamudear a frase, embargou-se-lhe a voz, numa acentuada lividez, os lábios frementes de emoção.
«Bem me palpitou que deveria ser mais um esquizofrénico que se enganou na porta. E logo havia de me tocar a mim este petisco», murmurou o inspector.
– E então o que é que, afinal, esses malandros todos lhe querem?
– Querem matar-me, senhor, pois o que é que hão-de querer?!
– Eu sei! Mas não foi isso o que eu perguntei! Porque é que, afinal, eles o querem matar? O que é que o senhor lhes fez?
– Nada. Eu não lhes fiz nada. E olhe que já vêm atrás de mim desde o Hospital Conde de Ferreira!
Conde de Ferreira! Afinal, se dúvidas havia…
Dizer-lhe que não, que aquilo era uma alucinação ou coisa que o valha era o mesmo que estar calado; ou pior ainda: para ele, o louco passaria, com toda a certeza, a ser o inspector, e iria interpretar a sua atitude como má vontade ou um expediente para o despachar, em vez de lhe dar ouvidos e tentar ajudá-lo. Não. Deixou-se entrar no jogo, mostrando-se empenhado em ajudá-lo. Insistiu em querer saber mais pormenores do ataque e das razões que o motivaram, para, depois, agir em conformidade.
– Olhe, eu fui agente das Actividades Económicas, e tive um chefe que estava sempre a entornar. Como sabe, a gente visitava muita casa, e eu, para não ficar mal ao pé dele, é claro, deixei-me ir na onda.
– Já estou a ver o filme! Copofonia, não é verdade?
– Infelizmente, senhor inspector. Comecei a beber, a beber, e olhe, escusado será dizer que, quando dei por mim, estava um alcoólico crónico. Fui ao médico, que me deu um remédio para me desintoxicar, e olhe, deu nisto. Fiquei assim, lerdo das ideias, pelo que não tive outro remédio senão reformar-me. Fui mandado para o Conde de Ferreira. Agora, ando lá nas consultas.
– Hm! Hm!
– Sabe, eu vivo sozinho num quarto alugado, perto da Praça da República. Às vezes, saio de casa e, como não tenho que fazer, dou umas voltas por aí, para ir passando o meu tempo. Hoje, encontrei um sujeito, no jardim do Marquês, que meteu conversa comigo, e como não tinha que fazer e era dia de ir à consulta, pedi-lhe que me acompanhasse. Ele aceitou, sem me criar qualquer problema. Só que, quando eu estava a ser visto pela médica, e não sei por que carga de água, disse-lhe que eu era homossexual. E olhe, não é que ela não só já não acabou a consulta, como me disse que não queria mais nada comigo!
– Pô-lo na rua, com alta forçada, foi?!
– Pois foi. Mas o pior foi o que veio a seguir. Como se isso não bastasse, o fulano arrebanhou um grupo de indivíduos, todos armados – aquela seita que está lá fora! –, e que se puseram a perseguir-me rua fora até aqui. Se não fosse o senhor abrir-me ao portão para me proteger, não sei o que é que me poderia ter acontecido! Ai não sei, não!
– Tenha calma, homem! Aqui, está em segurança, ninguém lhe vai tocar. Sossegue, que eles não lhe vão fazer mal. Eu vou já tratar de os ensacar. Vou já telefonar para a Esquadra daqui da zona, e vai ver que eles passam tudo a pente fino num instante e tudo o que encontrarem levam, pelo que o senhor já vai poder regressar a sua casa, são e salvo, com toda a segurança. Certo? Aguarde aí, por favor!
– Agradeço-lhe imenso, do fundo do coração, senhor inspector. Olhe que esses bandidos, se me apanham, matam-me. Mas é que matam mesmo! Não tenha a menor dúvida!
– Ai lá isso, pelos vistos, meios não lhes faltam! Bom, fique descansado. Aguarde aqui, que eu vou já tratar disso.  
E o agente voltou a subir ao 2.º piso, refastelar-se na cadeira e acabar de ver na TV o noticiário das treze, que aquela aflição lhe havia forçado a interromper. Passada cerca de meia hora, tempo que calculou suficiente para a operação de limpeza à zona, e terminado o noticiário – ou será que os loucos não têm a noção do tempo? –, desceu novamente junto do perseguido, encontrando-o completamente transfigurado para melhor, obviamente: completamente relaxado, tendo a sua lividez cedido lugar a um leve rubor.
– E então, senhor inspector, eles sempre os apanharam?
– Tudo! Apanharam-nos todos, sim, senhor. E olhe que, afinal, o senhor tinha toda a razão! Era realmente um batalhão deles. Creio que levaram daí meia dúzia de furgões completamente a abarrotar. Só de armas encheram eles uma ramona!
– ‘Tá a ver, ‘tá a ver! Eu não lhe dizia?! Eu sabia que tinha razão. Não querem acreditar em mim!
– Pronto, agora é que pode ficar completamente descansado. Foi tudo limpo.
– Estou-lhe imensamente grato, senhor inspector.
– Bom, e agora para onde é que o senhor vai?
– Vou para minha casa.
– E por onde é que está a pensar ir?
– Aqui pela Costa Cabral, ao Marquês, Constituição…
– Não! Não vá por aí! Preste atenção ao que lhe vou dizer: vá antes aqui por trás, pelo campo do Salgueiros – sabe onde é? –, sobe a Álvaro de Castelões, vira para a rua do Bolama… É mais seguro. Não vá, às vezes, o diabo tecê-las. É que não vá dar-se o caso de ter ficado por aí algum esquecido e…
– Sei, sei, conheço muito bem esse caminho. Muitíssimo obrigado, senhor inspector!
E o investigador lá regressou ao seu posto de trabalho, encolhendo os ombros, murmurando, admirado consigo mesmo, com a forma airosa como se desembaraçou da situação. «Realmente, não é para resolver situações destas que um investigador criminal é preparado. Nunca estudei psiquiatria, pelo que ignoro se a solução dada ao caso vem ou não nos manuais. Mas lá que ela resultou, resultou! Perdoem-me os psiquiatras o eu ter metido a foice na sua seara, se é que meti. Mas o certo é que o homem lá foi, calmo e sossegado, à sua vida, cheio de gratidão por o ter salvado de um linchamento».
Bom, pelo menos, por uns tempos, aqueles “agressores” não haveriam de voltar a persegui-lo. Livrara-o, pois, de um linchamento cuja ameaça era para ele tão real, quanto o era para si o nada disso se estar a passar. Mas o certo é que , neste caso, foi à sua porta que bateram a pedir tal tipo de ajuda.

Autor,
Miguel Henriques




[1] Publicado em “Um Outro Olhar, Antologia I, Poesia, Contos e outras narrativas”, edição da Polícia Judiciária, 1998. Baseado em factos reais.




MARIA... SIMPLESMENTE!

MARIA… simplesmente!



Ar assustado, um tanto combalido, sondou com o olhar os circunstantes, à medida que avançava timidamente o passo, acabando por dirigir-se àquele que primeiro lhe surgiu pela frente com uma chapa pendurada na lapela e que lhe pareceu ter dado pela sua presença.
– Provavelmente, será alguém que está aqui para atender o público! – comentou com os seus botões.
O que significava aquele penduricalho na lapela ela não o podia saber, pois, infelizmente, saber ler era um luxo dos mais novos e de alguns privilegiados, mais antigos, que nunca fora permitido às suas quase cinco dúzias de anos.
– Quase cinco dúzias, senhor, olhe que é quanto já conta esta miséria que aqui tem à sua frente! – veio a esclarecer, momentos depois, ao agente, já no decurso da sua pungente narrativa.
Seria ali, naquele cubículo fumegante, empestado de nicotina, a tresandar a fuligem encardida, com uma secretária alagada em telefones e papéis avulsos, rodeada de aperaltados cavalheiros, todos enfatuados e fingindo-se de bem dispostos, que funcionava o tal serviço de piquete para onde a havia mandado o funcionário que a havia recebido à entrada?
– Faça favor, minha senhora! – acode, solícito, um dos agentes, o tal da chapinha ao peito, a quem, felizmente, a disposição para o trabalho e o cumprimento do dever não haviam turvado ainda a visão nem entorpecido a disponibilidade e a sensatez.
– Eu queria apresentar uma queixa, meu senhor, desculpe, mas eu não sei como é que o hei-de tratar!
– Por agente, minha senhora, trate-me por agente, que é a minha categoria, aqui dentro, e daí a razão pela qual aqui estou. É verdade, estou aqui, exactamente, para a atender, tal como a todas as pessoas que cá vierem. Vá, vamos lá, faça o favor de dizer, pretende então apresentar uma queixa, é?
– É, sim, senhor Agente, é isso mesmo, só que, desculpe, mas eu nem sei como é que hei-de começar!
– Não há problema, a gente ajuda no que for necessário. Ora, então, faça favor, tenha a bondade de me acompanhar. Vamos antes aqui para esta salinha, que é para podermos conversar mais à vontade – convidou, na mesma solicitude, o investigador, homem quarentão, temperado nas agruras da vida e habituado a escarafunchar no entulho social, enquanto a ia conduzindo para a comummente designada “sala das queixas”.
– Ora vamos lá, faça o favor de me dizer, então, qual o motivo da sua queixa! – perguntou o investigador, enquanto ia puxando de uma cadeira e a ajeitava para que a senhora se sentasse.
E a senhora, de ar desconfiado, após ter agradecido a delicadeza, inspeccionou, num relance, todo o espaço circundante, interrompendo momentaneamente o discurso para perscrutar o outro lado do biombo, não fosse alguém ouvir aquele chorrilho de poucas-vergonhas que tinha para contar. É que, falar mal de um filho, é consabidamente uma espécie de faca de dois gumes, tanto pode envergonhá-lo a ele, como àqueles que tiveram a responsabilidade de o criar e educar.
           – Olhe, senhor Agente, eu sou viúva há vinte anos. O meu marido, que Deus lá tenha em descanso, morreu em Espanha, num acidente, coitadinho! Sabe, era camionista! Deixou-me sozinha, sem emprego e com dois filhos pequenos, ainda crianças, para criar, a viver de uma pensão de miséria, mil e tal escudos, está a ver, senhor Agente, mil e tal escudos… Bom, mas também é verdade que isso já foi há vinte anos! Sabe, é que eu já tenho quase cinco dúzias deles, quase cinco dúzias, senhor, é quanto já dura esta miséria que tem aqui à sua frente. Olhe que, como o senhor pode ver, eu já estou em metade daquilo que era, não em altura, porque, aí, eu sempre fui assim uma atarracadinha, mas, em largura, eu já fui bastante forte, senhor, olhe que já cheguei a pesar sessenta e tal quilos, ah! Hoje, coitada de mim, não passo dos 40, se é que lá chego. Como vê, estou quase só pele e osso, um farrapo humano e, ainda por cima, doente e sem poder trabalhar.
         E o agente lá foi ouvindo, atentamente, o profuso desfiar de todo um rosário de lamentações e angústias, jorrado em catadupa da boca daquele frágil ser humano, de ar enfezado, esquelético, pele encarquilhada, olhitos escondidos, refluindo um brilho baço da profundeza das órbitas, por detrás das pálpebras ressequidas, em seu pouco mais de metrito e meio de altura.
           – Então, e depois? Vá, conte lá! É que, afinal, ainda não me disse exactamente porque é que cá veio?!
         – Olhe, senhor Agente, desculpe o tempo que lhe estou a tomar, mas eu tenho de lhe contar toda a história, para ver se me compreende e me pode ajudar.
         – Com certeza, dona… desculpe, creio que ainda me não disse qual é a sua graça?!
         – Maria, senhor. Chamo-me Maria.
      – Só Maria?! – indagou o agente, lançando um olhar sub-reptício ao papelinho que o segurança lhe havia dado à entrada, apercebendo-se de que do nome constava algo mais.
        – Só Maria! Maria… simplesmente, até faz lembrar aquele folhetim que antigamente passava na rádio, lembra-se? Se calhar, não, o senhor ainda é muito novo! – insistiu.
       – É claro que lembro, mas… simplesmente, porquê?
       – Simplesmente, porque… é que, sabe, afinal, o meu nome completo até é Maria Jorge, mas como Jorge é nome de homem, eu costumo dizer que sou Maria… simplesmente.
       – Bom, mas, Marias com nome de homem, há, como sabe, tantas: Maria João, Maria José, Maria Manuel…
       – Pois há, lá isso é verdade, mas eu cá é que não gosto nada de ser Jorge!
       – Mas olhe que, cá para mim, Jorge até é um nome bonito, mas, pronto, tem todo o direito de não gostar, os gostos não se discutem, não é assim? Vá lá, então, dona Maria, conte lá o que é que a trouxe por cá.
       – Olhe, senhor Agente, uma rapariga nova, acabadinha de entrar nos quarenta, livre, mas com dois filhos para criar… enfim, sabe como são estas coisas! Apareceu-me um homem de quem eu gostei, e que gostou de mim, também, e, olhe, resolvemos juntar os trapinhos, como se costuma dizer. Juntámo-nos e passámos a viver em minha casa, pobrezinha, é certo, mas era – era e é! – a minha casa, e só nos não casámos por causa de eu não perder a reformazinha do meu falecido, era pequena mas sempre era alguma coisa e onde ela tapava... E, então, olhe, tivemos uma filha, uma menina muito linda que anda já nos 18 aninhos, coitadinha, começou este mês a trabalhar como ajudante de cabeleireira, a ganhar trinta e tal continhos por mês, está toda contente, é pouco, mas, coitadinha, vai ser o seu primeiro ordenadinho! E sabe, senhor Agente, é como se costuma dizer: buraco que aquele tapar… Não vai ser preciso outro, não é verdade?
        – Isso é só no início, dona Maria, com a prática, há-de vir a ganhar mais, com certeza, vai ver!
        – Pois é, senhor Agente, mas eu é que estou cheínha, cheínha de medo, sabe?!
        – Medo de quê, dona Maria?
        – Daqueles malandros dos outros meus dois filhos, são muito ruins, sabe?!
        – Ah, sim, degeneraram, às vezes, acontece. Que idade é que eles têm?
       – O mais novo tem 26, e o mais velho já anda creio que nos 33, mas são uns vagabundos! O mais novo ainda vá que não vá, que, quando me vê aflita, ainda é capaz de ter pena de mim e de dar uma mãozita, a ajudar, agora o outro… Aquilo é mas é o diabo em pessoa que entrou lá em casa, meteu-se na droga, e olhe, não só não faz nada, como, ainda por cima, me rouba tudo, aquele desalmado! Rouba-me tudo, tudo! Depois, e como se isso lhe não bastasse, ainda me insulta de tudo e mais alguma coisa. Aquilo é do piorio, de curta pra cima, curta pra baixo, e constantemente a ameaçar-me de que, se lhe não der dinheiro, um dia destes ainda me há-de matar. Alega que, como sou mãe dele e já que o trouxe ao mundo, eu é que tenho a obrigação de o sustentar, portanto… E olhe, senhor Agente, se alguma coisinha vou arranjando para comer é porque, graças a Deus, ainda vai havendo gente boa, pessoas amigas que me têm ajudado com uma ou outra esmolinha, é que eu não posso trabalhar. Com licença, está a ver aqui esta costura? – e, desabotoando a blusa, exibiu um segmento da cicatriz que lhe atravessava o esterno, de alto a baixo. – Fui operada ao coração, há pouco mais de um ano, olhe que até me chegaram a tirar veias das pernas para meter aqui, no meu pobre coraçãozinho. Se não fosse operada, já aqui não estava a esta hora, não sei se está a ver?! Mas olhe, afinal, e vendo bem as coisas, nem sei o que é que teria sido melhor! Eu já estava desenganadinha dos médicos, não me davam mais de três meses de vida, andava sempre a desmaiar, a desmaiar, tinha as minhas veias atrofiadinhas, tão apertadinhas, segundo eles diziam, que o sangue já mal podia circular!
         – Pronto, mas, felizmente, agora, já não tem esse problema, pois não?!
       – Graças a Deus, senhor Agente, graças a Deus, já que a gente tem de estar viva e tem… Só que eu não posso é trabalhar, ando pela Conferência([1]). Mas… tenho vergonha, muita vergonha, senhor, olhe que passam-se dias e dias em que não sei o que é levar uma migalhinha à boca, e aquele malandro a roubar-me, a insultar-me e a ameaçar-me, todo o santo dia! Olhe que, num destes dias, se eu me não tivesse precavido, dando um salto para trás, tinha-me partido ambas as pernas com um pau que me atirou, aquele malandro!
        – Se assim é, tem em casa uma rica prenda, lá isso tem, sem dúvida!
       – Mas oiça, senhor Agente, há dias – Deus Nosso Senhor me perdoe –, mas olhe que ainda cheguei a pensar que ele se tinha matado!
       – Como assim?
       – Olhe, abri a porta do quarto e encontrei-o sobre a cama, muito quietinho, virado para o ar, em tronco nu, com uma seringa e a agulha espetada na barriga. Ainda pensei cá para comigo: ó meu Deus, será que foi desta vez que ele me deixou em paz? Vai ser um descanso! Desculpe falar assim, não sei se tem filhos, mas olhe que foi mesmo o que eu pensei! Fiquei cheínha de medo e fechei a porta, mas, pouco tempo depois, já aquele malvado lá andava outra vez a cirandar no quarto. E eu que tantos sacrifícios passei para o criar… Agora, o meu maior medo é que eles façam mal à menina, à meia-irmã, olhe que, cá para mim, são muito capazes, até, de abusar dela, aqueles bandidos. E agora se lhes cheirar a dinheiro fresco… Não sei não como é que vai ser, não…
        – E o que é feito do tal senhor com quem a senhora disse que vivia, o pai da rapariga?
       – Esse, coitado, cansou-se de aturar as patifarias dos meus filhos e foi para casa dos pais dele. Agora, veja o senhor, sem o meu homem, sem poder trabalhar, sem rendimentos, com aqueles malandros a roubarem-me tudo, o que é que há-de ser de mim? Olhe que a minha fraqueza é tão grande que estou a olhar para si e até parece que estou a ver duas pessoas à minha frente! – e fez uma pausa, olhar embaciado e prostrado no chão, quiçá rebuscando mentalmente as algibeiras, o estômago a dar horas, envergonhada por ter deixado escapar aquele lamento – Ainda se ao menos eu tivesse um pãozinho, mesmo que fosse sequinho, para comer…
        Condoído, o agente não se conteve, puxou da carteira, sacou uma nota de quinhentos mil réis e meteu-lha na mão.
        – Tome lá que é para comer uma sanduíche, antes de chegar a casa.
      – Obrigada, muito obrigada, senhor Agente, mas não, não quero. Não, não posso, eu acho que não devo aceitar.
       – Mas acha que não deve aceitar, porquê? Vá, faça o favor, deixe-se disso, é pouco, mas olhe que é de boa vontade!
       – Muitíssimo obrigada, o senhor escusava de se estar a incomodar comigo, Deus lhe dê muita saúde e à sua família, senhor Agente.
      – E a si também, dona Maria, muito obrigado.
    – Olhe que, às vezes, nem sei o que é que me apetece fazer, senhor! Passa-me cá cada coisa pela cabeça…
   – Vá lá, vá lá, dona Maria, tenha calma, muita calma! Eles não merecem esse sacrifício. Vai ver que melhores dias hão-de vir, se Deus quiser!
      – Não sei, não sei, senhor Agente, o que ainda me pode vir a acontecer!
Daqueles olhos ressequidos pareceu ressumar um arremedo de lágrimas carminadas, mas a verdade é que um corpo tão estiolado pelos malefícios da vida não podia dar-se ao luxo de esbanjar fluidos.
      E lá se foi a dona Maria Jorge, aliás, Maria… simplesmente, muito provavelmente, calcorreando a pé os quilómetros que a separavam de Gondomar, donde disse ter vindo pelo mesmo meio. Mulher que, por ironia, tinha no nome um nome de homem. Homem que por razões estranhas à sua vontade, dela, a deixou só, para ir viver com os pais, numa atitude, quiçá egoísta, mas que ela sempre procurou compreender. Talvez por isso, sem que se desse conta, se recusava a admitir o apelido Jorge, nome de homem, no seu próprio nome, porque, afinal, os homens da sua vida, o que é que haviam significado? Abandono, sacrifício, violência…
      O agente lá rematou como pôde a situação. Visivelmente emocionado, dirigiu-se para o tal cubículo, onde se encontrava o chefe e outros colegas baforando fumo no rescaldo de mais uma jornada de futebol a alimentar o ócio.
       – Chefe, mais casos destes, hoje, e bem fico depenado!
       – Então? O que é que se passou?
     Posto ao corrente da situação, o chefe limitou-se a lavar as mãos, num eloquente encolher de ombros. Porém, um colega menos comedido, de lá do alto da sua presunção, não contém o sarcasmo e, por entre duas sobranceiras baforadas, proclama:
      – Já estou a ver, pá, foste comido de cebolada! Cá para mim, caíste que nem um patinho!
     – Não, meu caro colega, com todo o respeito devido à tua perspicácia, que alguma há-de ser, de outro modo, muito provavelmente, não estarias aqui, reconheço que posso ser ingénuo, o que não quer dizer que o tenha sido neste caso, mas julgo não ser assim tão lorpa, como parece quereres fazer crer. Ah! E já agora outra coisa: acima de tudo, sou humano; ou então, se porventura te der mais gozo, ingenuamente humano!
     – Hum, hum! – resmungou entredentes o outro.


Porto, Maio de 1993

(Baseado em factos reais)

O autor:
Miguel Henriques




([1]) Alusão à Instituição de Beneficência conhecida por Conferência de S. Vicente de Paulo.