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domingo, 25 de abril de 2021


Onde estava e como soube da revolução de 25 de Abril?

Pois bem, nada melhor do que socorrer-me do meu livro "DE LAMEGO AO LUBANGO" para onde transcrevi os meus apontamentos tirados à época em que frequentava o curso de operações especiais (Rangers), em Penude, Lamego.
O GOLPE DE ESTADO DE 25 DE ABRIL
CONHECIDO PELA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
No final de uma dessas jornadas, semelhante, aliás, a tantas outras, após o jantar, excecionalmente e para surpresa de todos, deixaram-nos ficar na cama, a repousar. Há que esclarecer que este descanso não foi precedido de aviso, tal como, de resto, acontecia com quase tudo. Aconteceu e pronto! O imprevisto, a surpresa, não me cansarei de o sublinhar, constituíam a principal regra do dia-a-dia da instrução. Como é óbvio, para adormecer, bastava que permi-tissem que nos recostássemos em qualquer lado. O adormecer era praticamente inevitável, tal era o cansaço que nos dominava. Porém, cerca da meia-noite, após esse generoso período de descanso, lá fomos acordados mais uma vez de supetão, à voz do comandante da companhia, o já referido capitão Delgado da Fonseca que, através da instalação sonora, e com a canção de Paulo de Carvalho E Depois do Adeus em fundo, se nos dirigiu:
— Boa noite, Ranger! Eu te saúdo, nesta noite de paz e amor. Levanta-te! Tens três minutos, três minutos, apenas, para formares na parada com uniforme n.º 3 e equipamento de combate! Este dia recordá-lo-ás através dos tempos, por toda a tua vida!
Como de costume, num ápice, saltámos das camas e lá corremos para a parada, com o equipamento de combate: farda n.º 3, porta-granadas, cartucheiras com os respetivos carregadores, a espingarda G3 e o cantil.
Surpresa?! Já nada me surpreendia. Quando muito, talvez o romantismo posto no tom com que se nos dirigiu, mas como cinismo era um prato servido, senão diariamente, quase… De toda a maneira, a entoação com que foi proferida aquela enigmática expressão: Este dia recordá-lo-ás através dos tempos… poderia muito bem sugerir que algo de especial era capaz de estar a ou para acontecer. Agora o quê é que, seguramente, não passava pela cabeça de nenhum de nós.
Estava já a companhia formada, quando o capitão mandou ir buscar cunhetes de munições (bala real) para ali enchermos os carregadores. Que raio de operação iríamos nós fazer, de noite, com as armas carregadas com bala real?! Era desta que alguém ia ficar estendido no chão com o céu da boca frio, pensei cá com os meus botões. Mas não. Mal acabámos de executar aquela operação, ordenou-nos que depuséssemos o cinturão com as cartucheiras e todo o material, inclusive a própria arma, no chão, à nossa frente. Em seguida, fizemos sentido, direita volver, marchámos em frente e aí fomos, portão afora, em marcha cadenciada lenta, rumo à outra margem do Balsemão, lá para os lados da aldeia de Juvandes. Íamos apurar a técnica do silêncio, como caminhar durante a noite e nos diferentes tipos de solo, sem nos denunciarmos, explicaram-nos os graduados que nos acompanhavam. E lá andámos no meio do mato, na encosta da serra de Santa Helena, durante cerca de uma hora e tal, a aprender a caminhar sem fazer ruído, findo o que iniciámos o regresso à caserna. De resto, acabou por tratar-se, praticamente, de um percurso apeado, de ida e volta, numa extensão de uns três ou quatro quilómetros.
Eram duas da manhã, quando reentrámos no espaço militar adjacente à caserna, dirigindo-nos, em formatura, para a parada, tendo de imediato verificado que todo o material ali deixado tinha desaparecido.
— O que lhe terá acontecido? — foi a pergunta que, silenciosa e infalivelmente, cada um de nós não deixou de fazer. Porém, antes de destroçarmos, e com os grupos de combate em ombro-armas, o alferes Cambão, que estava connosco, fez questão de advertir:
— Ora vamos lá a prestar atenção! Como todos já repararam, o material que vocês aqui deixaram há pouco desapareceu misteriosamente. Bom, por agora, podeis ir para a cama. Mas não se espantem, se, daqui a pouco, tiverem de se pôr novamente a pé para o irem procurar. Companhia, destro… çar! À vontade!
E lá fomos em passo de corrida para a caserna, embora com o pressentimento de que, mais tarde ou mais cedo, iria alguém soprar de novo ao microfone, obrigando-nos, como de costume, a correr para a parada, a fim de procurar o dito equipamento. Daí que a maioria do pessoal se não tenha sequer despido. Qual não foi o meu espanto, quando dei por mim a acordar, espontaneamente — um verdadeiro milagre! — já pela manhã, completamente vestido. Afinal, ninguém nos importunara durante a noite, e eu adormecera e por lá ficara, tal como me havia estirado sobre a cama.
Como vinha sendo meu hábito, sempre que podia, ligava a telefonia, um pequeno transístor portátil, o meu quebra-solidões, para ouvir um pouco de música. Ora aconteceu que, ao ligá-la, estava precisamente a ser transmitido um comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA), segundo o qual, estava em curso um golpe de Estado, com vista ao derrube do regime político totalitário vigente. Era 25 de abril. Ficámos todos intrigados e tentámos indagar mais pormenores sobre a situação, junto dos graduados. Ficámos então a saber que o misterioso desaparecimento do material, durante a noite, havia estado diretamente ligado a esse evento. A companhia de Comandos 4041/74, do CIOE, já pronta e a aguardar embarque para a Guiné, necessitara de armamento fiável para participar naquela operação, e socorrera-se do nosso, todo ele novinho em folha. Como missão, a referida companhia e mais alguns reforços operacionais, liderados pelo capitão Delgado da Fonseca, dirigiram-se para a cidade do Porto, a fim de constituírem uma reserva operacional à ordem do comando do Movimento, na Região Militar do Porto, e de, eventualmente, ocupar as instalações da PIDE/DGS, na Rua do Heroísmo.
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In HENRIQUES Miguel, "DE LAMEGO AO LUBANGO..."
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