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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

APRESENTAÇÃO DO AUTOR DO ROMANCE "E AGORA?"

LANÇAMENTO DO ROMANCE “E AGORA?”, realizado na Biblioteca Almeida Garrett, Porto, em 30-06-2012, pelas 16 h.

Ora muito boa tarde a todos.

Em primeiro lugar, permitam-me que os cumprimente, pois é uma honra tê-los connosco, neste momento tão especial em que apresentamos à cidade e ao mundo o meu neófito literário, o produto da minha primeira aventura a solo, no domínio da ficção.
Meus caros amigos, se tivesse de contextualizar a concepção deste meu primogénito, diria que teve na sua génese dois factores, a saber:
— Primeiro, o da NECESSIDADE.
Com efeito, quando somos surpreendidos por algo que nos emociona ou nos perturba, a não ser que soframos de uma misantropia mórbida, sentimos uma necessidade premente de desabafar, de partilhar com alguém a alegria ou a dor que nos vai na alma.
É próprio da natureza humana e da nossa condição de seres societários e, muitas das vezes, sabemo-lo por experiência própria, basta que haja alguém que nos oiça, que nos dê uma palavra de compreensão, de carinho, de conforto, e aquilo que se nos afigurava como que um drama monstruoso acaba, afinal, relativizado, subestimado e de reduzido impacto no nosso bem-estar emocional e, por consequência, na nossa vida.
Ora, neste caso, feliz ou infelizmente, foi essa necessidade de desabafar, a que esteve na origem deste livro, em que o autor dá corpo e alma a Cassiano Alves, um inspector da Polícia Judiciária que, em dado momento da sua carreira, se sentiu de certa forma injustiçado e não quis deixar que isso viesse a afectar o seu desempenho, enquanto profissional zeloso, impoluto, responsável, que sempre considerou o cumprimento do seu dever como uma espécie de missão para com a sociedade acima de qualquer humana contingência, fosse ela própria ou alheia, nomeadamente, causada por quem quer que fosse que, por qualquer razão, um dia, se lhe tivesse atravessado no caminho e, legitimamente ou não, tido o poder de decidir do seu futuro.

Decididamente, não iriam ser esses escolhos profissionais, esses acidentes de percurso, nem uma ou outra atitude menos abonatória de um ou outro quadro superior da instituição que o iriam impedir de manter a sua verticalidade, de beliscar a sua consciência ética e deontológica, de prosseguir o seu caminho, de cabeça erguida, dignificando sempre a instituição que um dia o acolheu e que muita honra sempre sentira em representar.

Daí que o autor tenha, solidariamente, feito coro com Cassiano Alves, impelido por essa necessidade de exorcizar os fantasmas que lhe povoavam — ou com que lhe povoaram — o horizonte profissional e a própria mente, acabando por funcionar também como uma espécie de terapia, a bem da saúde própria, sobretudo da psíquica, mas com os seus óbvios reflexos na física e, como consequência, do seu relacionamento com os que o rodeavam e da função que profissionalmente desempenhava.
Trata-se, então, de um romance autobiográfico! — dirão alguns.
Não, não se trata de um romance autobiográfico, pese embora esse tal inspector Cassiano Alves tenha muito a ver com o autor, pois trata-se de uma personagem a quem este emprestou algumas das suas qualidades, aspirações, sentimentos, quiçá também alguns defeitos.
Mas não é seguramente o autor, nem a trama que o envolve tem a ver com algo vivenciado por este, salvo, eventualmente, um ou outro pormenor, ou não se tratasse, afinal, de factos verosímeis.
De resto, sublinho-o, trata-se de uma obra de ficção que a mim, enquanto autor, muito me aprouve realizar, pois, perdoem-me a expressão, após 30 anos de serviço na área da investigação criminal, confesso que já estava cansado de ser mero veículo de declarações alheias que, pela sua necessária objectividade, não podem nem devem conceder margem à criação artística, sob pena de poderem vir a frustrar a prova a que se destinam.
Um livro cujas páginas foram surgindo muito lentamente, nos intervalos dos autos e dos relatórios processuais, sem um rumo pré-definido, fluindo como a água que se vai espalhando pelos sulcos que encontra pelo caminho.

Um livro em que, a cada revisão — e tantas elas foram! — incontáveis as horas nele gastas, surgia sempre algo a acrescentar, a alterar ou a elidir.

Alguém terá dito que um autor gasta mais tempo a escrever um livro do que o somatório das horas gastas por todos os que o vão ler.
Será, obviamente, relativo, mas não deixa de traduzir o labor mental e estético que temporalmente implica.
Porém, no meu caso, foi feito por puro ludismo, pelo simples prazer da escrita e da imaginação, coisa em que, sinceramente, julgo não ser lá grande coisa, já que, não fosse o desafio da Papiro Editora e, por certo, ainda hoje não passaria de pouco mais de um megabyte no disco rígido do meu computador, fazendo companhia a outros escritos semelhantes, seus contemporâneos ou até mais antigos que por lá permanecem.
A verdade é que até eu próprio, por vezes, me surpreendia com o fluxo de ideias com que ia construindo o enredo.
Mas a criação do enredo até nem é onde se consome mais tempo. Falo por mim, obviamente, um novato nestas coisas.
Onde, sem dúvida, o tempo se escoa mais rapidamente, nem se dá conta, é na componente estética, aquilo em que grande parte dos leitores não repara: o ritmo da escrita; a palavra certa no lugar certo, para que a imagem nos impressione; a cor; o som; o cheiro, enfim, todas essas sensações sinestésicas que, por vezes, nos convidam a interagir com as personagens.
Costumo dizer que ler um romance é como fazer uma viagem mais ou menos longa em autocarro de turismo.
Há aqueles passageiros que o que querem é chegar o mais rapidamente possível ao destino, ansiosos por o conhecerem. Até são capazes de tomar um comprimido para adormecerem na viagem.
Outros, como é o meu caso, gostam de a fazer acordados, para irem contemplando a paisagem, apreciando toda a sua imensa variedade e beleza, sendo o destino apenas o termo da viagem.
Voltando ao meu livro, direi que os factos narrados e as emoções que os envolvem, não sendo verdadeiros, nem por isso deixam de ser verosímeis, recortados na vida real uns, na virtual outros, mas todos eles susceptíveis de acontecer ou quiçá de até já terem acontecido a alguns de nós.


— O segundo factor, uma espécie de causa próxima, que me levou a publicar o livro foi exactamente o da OPORTUNIDADE.
Aqui deixem-me realçar, em primeiro lugar, esta vaga de atentados à Língua Portuguesa perpetrados por aquela que venho alcunhando de “a geração SMS” e pelo famigerado acordo ortográfico.

Minha pátria é a língua portuguesa” disse Fernando Pessoa, pela voz do seu semi-heterónimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego.

Hoje em dia, a nossa língua, a língua de Camões, de Fernando Pessoa, de Eça de Queiroz, de Camilo Castelo Branco, e, enfim, de tantos outros baluartes da portugalidade, tem vindo, na minha óptica, a ser extremamente maltratada.

De tanto se abreviar, quase se extingue, quer a escrita quer a falada.

Já poucos cuidam de saber porque é que certa palavra se escreve ou deve escrever desta ou daquela maneira, qual o seu significado etimológico, se chegou até nós por via erudita, se por via popular, se por evolução semântica ou se se trata, pura e simplesmente, de um qualquer neologismo.

Aliás, basta estarmos minimamente atentos, e logo nos aperceberemos de que, não sei se por ignorância, se por snobismo, se por ambas as razões, tropeçamos a todo o passo com estrangeirismos, quer na linguagem falada quer na escrita, quando temos termos genuinamente portugueses para significar exactamente o mesmo.

Confesso que bem me custa assistir a uma tal inquinação desnecessária da nossa língua.

Segundo os mentores e adeptos do famigerado Acordo Ortográfico, a pretexto de a língua ser uma entidade viva, dinâmica, esta deverá ajustar-se aos novos tempos, à medida que vai cruzando a história.

O problema é que esse ajustamento, na minha óptica, vem sendo feito sem o devido respeito pelos princípios e regras que enformam a genuína Língua Portuguesa, a nossa língua, transformando-a, a pretexto de um certo universalismo geográfico, numa espécie de caldeirada com todos, onde os ingredientes são misturados a esmo e depois o resultado há-de ser o que Deus quiser.

Prevalece o critério fonético — dizem eles.

«Que bom, assim, escrevo como pronuncio ou como oiço pronunciar! Quero lá saber da sua raiz etimológica e como é que o vocábulo evoluiu ou chegou até nós com o actual significado! O que é preciso é que a gente se entenda!» — sustentam aqueles que encontram nesse critério um bom disfarce para uma certa dose de ignorância linguística.

Nesta lógica, qualquer dia, apesar de sermos um país territorialmente pequeno, cada um está legitimado a escrever como se linguareja na respectiva região, e a língua, em vez de ser um factor de unidade, passará a ser factor de divisão nacional.
Como se já não bastasse o sermos um país suficientemente pequeno…!

Já estão a imaginar o que será o Hino Nacional a ser cantado numa série de dialectos regionais! Uma verdadeira Babel lusa!


Em segundo lugar, enquanto alguém que dedicou toda a sua vida activa — para os que eventualmente o não saibam, já estou pré-aposentado há alguns anos — ao serviço desta brilhante instituição que é a nossa Polícia Judiciária, não poderia ficar indiferente à sua fusão num qualquer outro Órgão de Polícia Criminal, perdendo-se uma referência histórica no combate à criminalidade e na prossecução da Justiça.
Ora, a tão propalada e não menos polémica questão do enamoramento de outras forças policiais, seus dirigentes e certos políticos, pela Polícia Judiciária, apesar de sexagenária — conta já 66 anos — não é, de todo, um fenómeno recente.
Alegam maior eficácia operacional, melhor rendibilização dos meios, maior economia, como se a grande maioria dos políticos e dirigentes deste país alguma vez se tivesse preocupado com isso! Enfim!
A verdade é que já outros países implementaram um tal modelo e o resultado foi, eles próprios o vieram a reconhecer, um completo fracasso.
Sinceramente, muito me custaria ver uma P.J., por muitos considerada das melhores polícias de investigação criminal do mundo, apesar da escassez de recursos com que sempre se debateu, ser desviada do seu histórico objectivo que esteve na sua origem e sempre a caracterizou: o de auxiliar da acção da justiça na consecução do seu objectivo último, como seja a realização do justo enquanto valor não apreensível por qualquer poder ou regime político instalado.
Mesmo assim, tal como está, a justiça já vem sendo o que se vê, infelizmente. O que seria, pois, se tivesse outros interesses a condicionarem-lhe a acção e a subverterem-lhe os fins!
Recuso-me sequer a imaginar.

Por último, deixem-me dizer-lhes duas palavras acerca do título deste livro e seu conteúdo, já que a apreciação da obra em si é trabalho que deixo para os meus estimados leitores.
E AGORA?”
Quantos de nós, ao longo das nossas vidas afectivas, profissionais, enfim, já não nos deparámos com contratempos, obstáculos, na nossa caminhada para a felicidade, que nos fizeram levar as mãos à cabeça, como quem se sente perdido numa encruzilhada e completamente às escuras?!
Com efeito, a primeira pergunta que nos ocorre, numa situação dessas, depois de nos lastimarmos, ou de verberarmos a má sorte, é exactamente: “E AGORA?” O que vou eu fazer? Como é que vou sair disto?
E é nesse preciso momento de angústia e reflexão, nesse balanço dramático em que inventariamos os estragos, que temos de encontrar uma resposta para a dita pergunta, definindo novos rumos, traçando novas coordenadas, porque a vida assim o exige, nem que para tal tenha de se passar uma esponja sobre as mágoas, lamber as feridas, remover os destroços de todas as batalhas perdidas e limpar as armas, para, se necessário, recomeçar tudo de novo, como muito a propósito sugere o aspecto gráfico do “G” de “AGORA”.

Parafraseando Ortega Y Gasset, «Eu sou eu e a minha circunstância».
E a minha circunstância é todo o universo em que me situo, seja o meu mundo interior seja o exterior.

Circunstância que tanto pode ser determinada por factores intrínsecos, como extrínsecos ao sujeito, como até por ambos.

Ora, é nesta permanente dialéctica entre o eu e a minha circunstância e a sua tão necessária quão possível harmonização que o ser, se é que o é, se vai construindo e o caminho se vai fazendo.

Um caminho que, todos o sabemos, não é linear, nem de sentido único.

Está cheio de altos e baixos, de obstáculos e encruzilhadas, tanto nos podendo conduzir ao sucesso como ao fracasso.

E é nesse confronto dramático com o fracasso que, volto a repeti-lo, a pergunta mais insistentemente nos assalta: «E AGORA?».

É, pois, de dramas, de emoções, de êxitos, frustrações e muitos outros sentimentos e preocupações que este livro, enquanto romance, trata.

Irão, por certo, ao longo da sua leitura, deparar com sensibilidades diversas e contraditórias entre as suas personagens, com vidas e comportamentos de alguma forma condicionados por preconceitos, mitos, com momentos em que a razão e a crença, a ciência e a fé conflituam, em que os verbos ser e amar nem sempre têm o mesmo significado.

«Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela» — escreveu, um dia, Fernando Pessoa.
De facto, parece que somos inexoravelmente forçados a viver mais ou menos entalados entre estas duas condicionantes do nosso pensar, do nosso agir para com nós próprios e para com os outros.

Mas, e apenas para concluir, permitam-me que volte a citar Fernando Pessoa:
«Façamos da nossa falência uma vitória. Uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual. Se a vida não nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja com a sombra dos nossos sonhos…»

Enfim, coisas da vida!

Espero, sinceramente, que o livro seja do vosso agrado e que experimentem tanto gozo ao lê-lo, como eu experimentei ao concebê-lo, apesar da sua longa gestação.

Mais uma vez, a todos o meu muito obrigado.


                                        Miguel Henriques

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