LANÇAMENTO
DO ROMANCE “E AGORA?”, realizado na Biblioteca Almeida Garrett, Porto, em
30-06-2012, pelas 16 h.
Ora
muito boa tarde a todos.
Em
primeiro lugar, permitam-me que os cumprimente, pois é uma honra tê-los
connosco, neste momento tão especial em que apresentamos à cidade e ao mundo o
meu neófito literário, o produto da minha primeira aventura a solo, no domínio
da ficção.
Meus
caros amigos, se tivesse de contextualizar a concepção deste meu primogénito,
diria que teve na sua génese dois factores, a saber:
—
Primeiro, o da NECESSIDADE.
Com
efeito, quando somos surpreendidos por algo que nos emociona ou nos perturba, a
não ser que soframos de uma misantropia mórbida, sentimos uma necessidade premente
de desabafar, de partilhar com alguém a alegria ou a dor que nos vai na alma.
É
próprio da natureza humana e da nossa condição de seres societários e, muitas
das vezes, sabemo-lo por experiência própria, basta que haja alguém que nos
oiça, que nos dê uma palavra de compreensão, de carinho, de conforto, e aquilo
que se nos afigurava como que um drama monstruoso acaba, afinal, relativizado,
subestimado e de reduzido impacto no nosso bem-estar emocional e, por
consequência, na nossa vida.
Ora,
neste caso, feliz ou infelizmente, foi essa necessidade de desabafar, a que
esteve na origem deste livro, em que o autor dá corpo e alma a Cassiano Alves,
um inspector da Polícia Judiciária que, em dado momento da sua carreira, se
sentiu de certa forma injustiçado e não quis deixar que isso viesse a afectar o
seu desempenho, enquanto profissional zeloso, impoluto, responsável, que sempre
considerou o cumprimento do seu dever como uma espécie de missão para com a
sociedade acima de qualquer humana contingência, fosse ela própria ou alheia,
nomeadamente, causada por quem quer que fosse que, por qualquer razão, um dia, se
lhe tivesse atravessado no caminho e, legitimamente ou não, tido o poder de
decidir do seu futuro.
Decididamente,
não iriam ser esses escolhos profissionais, esses acidentes de percurso, nem uma
ou outra atitude menos abonatória de um ou outro quadro superior da instituição
que o iriam impedir de manter a sua verticalidade, de beliscar a sua
consciência ética e deontológica, de prosseguir o seu caminho, de cabeça
erguida, dignificando sempre a instituição que um dia o acolheu e que muita
honra sempre sentira em representar.
Daí
que o autor tenha, solidariamente, feito coro com Cassiano Alves, impelido por
essa necessidade de exorcizar os fantasmas que lhe povoavam — ou com que lhe
povoaram — o horizonte profissional e a própria mente, acabando por funcionar
também como uma espécie de terapia, a bem da saúde própria, sobretudo da
psíquica, mas com os seus óbvios reflexos na física e, como consequência, do
seu relacionamento com os que o rodeavam e da função que profissionalmente desempenhava.
Trata-se,
então, de um romance autobiográfico! — dirão alguns.
Não,
não se trata de um romance autobiográfico, pese embora esse tal inspector Cassiano
Alves tenha muito a ver com o autor, pois trata-se de uma personagem a quem este
emprestou algumas das suas qualidades, aspirações, sentimentos, quiçá também alguns
defeitos.
Mas
não é seguramente o autor, nem a trama que o envolve tem a ver com algo
vivenciado por este, salvo, eventualmente, um ou outro pormenor, ou não se
tratasse, afinal, de factos verosímeis.
De
resto, sublinho-o, trata-se de uma obra de ficção que a mim, enquanto autor, muito
me aprouve realizar, pois, perdoem-me a expressão, após 30 anos de serviço na
área da investigação criminal, confesso que já estava cansado de ser mero
veículo de declarações alheias que, pela sua necessária objectividade, não
podem nem devem conceder margem à criação artística, sob pena de poderem vir a
frustrar a prova a que se destinam.
Um
livro cujas páginas foram surgindo muito lentamente, nos intervalos dos autos e
dos relatórios processuais, sem um rumo pré-definido, fluindo como a água que
se vai espalhando pelos sulcos que encontra pelo caminho.
Um
livro em que, a cada revisão — e tantas elas foram! — incontáveis as horas nele
gastas, surgia sempre algo a acrescentar, a alterar ou a elidir.
Alguém
terá dito que um autor gasta mais tempo a escrever um livro do que o somatório
das horas gastas por todos os que o vão ler.
Será,
obviamente, relativo, mas não deixa de traduzir o labor mental e estético que temporalmente
implica.
Porém,
no meu caso, foi feito por puro ludismo, pelo simples prazer da escrita e da
imaginação, coisa em que, sinceramente, julgo não ser lá grande coisa, já que,
não fosse o desafio da Papiro Editora e, por certo, ainda hoje não passaria de
pouco mais de um megabyte no disco rígido do meu computador, fazendo companhia
a outros escritos semelhantes, seus contemporâneos ou até mais antigos que por
lá permanecem.
A
verdade é que até eu próprio, por vezes, me surpreendia com o fluxo de ideias
com que ia construindo o enredo.
Mas
a criação do enredo até nem é onde se consome mais tempo. Falo por mim,
obviamente, um novato nestas coisas.
Onde,
sem dúvida, o tempo se escoa mais rapidamente, nem se dá conta, é na componente
estética, aquilo em que grande parte dos leitores não repara: o ritmo da
escrita; a palavra certa no lugar certo, para que a imagem nos impressione; a
cor; o som; o cheiro, enfim, todas essas sensações sinestésicas que, por vezes,
nos convidam a interagir com as personagens.
Costumo
dizer que ler um romance é como fazer uma viagem mais ou menos longa em
autocarro de turismo.
Há
aqueles passageiros que o que querem é chegar o mais rapidamente possível ao destino,
ansiosos por o conhecerem. Até são capazes de tomar um comprimido para
adormecerem na viagem.
Outros,
como é o meu caso, gostam de a fazer acordados, para irem contemplando a
paisagem, apreciando toda a sua imensa variedade e beleza, sendo o destino
apenas o termo da viagem.
Voltando
ao meu livro, direi que os factos narrados e as emoções que os envolvem, não
sendo verdadeiros, nem por isso deixam de ser verosímeis, recortados na vida
real uns, na virtual outros, mas todos eles susceptíveis de acontecer ou quiçá
de até já terem acontecido a alguns de nós.
—
O segundo factor, uma espécie de causa próxima, que me levou a publicar o livro
foi exactamente o da OPORTUNIDADE.
Aqui
deixem-me realçar, em primeiro lugar, esta vaga de atentados à Língua Portuguesa
perpetrados por aquela que venho alcunhando de “a geração SMS” e pelo
famigerado acordo ortográfico.
“Minha pátria é a língua portuguesa” disse Fernando Pessoa, pela voz
do seu semi-heterónimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego.
Hoje
em dia, a nossa língua, a língua de Camões, de Fernando Pessoa, de Eça de
Queiroz, de Camilo Castelo Branco, e, enfim, de tantos outros baluartes da
portugalidade, tem vindo, na minha óptica, a ser extremamente maltratada.
De
tanto se abreviar, quase se extingue, quer a escrita quer a falada.
Já
poucos cuidam de saber porque é que certa palavra se escreve ou deve escrever desta
ou daquela maneira, qual o seu significado etimológico, se chegou até nós por
via erudita, se por via popular, se por evolução semântica ou se se trata, pura
e simplesmente, de um qualquer neologismo.
Aliás,
basta estarmos minimamente atentos, e logo nos aperceberemos de que, não sei se
por ignorância, se por snobismo, se por ambas as razões, tropeçamos a todo o
passo com estrangeirismos, quer na linguagem falada quer na escrita, quando
temos termos genuinamente portugueses para significar exactamente o mesmo.
Confesso
que bem me custa assistir a uma tal inquinação desnecessária da nossa língua.
Segundo
os mentores e adeptos do famigerado Acordo Ortográfico, a pretexto de a língua ser
uma entidade viva, dinâmica, esta deverá ajustar-se aos novos tempos, à medida
que vai cruzando a história.
O
problema é que esse ajustamento, na minha óptica, vem sendo feito sem o devido respeito
pelos princípios e regras que enformam a genuína Língua Portuguesa, a nossa língua, transformando-a,
a pretexto de um certo universalismo geográfico, numa espécie de caldeirada com
todos, onde os ingredientes são misturados a esmo e depois o resultado há-de
ser o que Deus quiser.
Prevalece
o critério fonético — dizem eles.
«Que
bom, assim, escrevo como pronuncio ou como oiço pronunciar! Quero lá saber da
sua raiz etimológica e como é que o vocábulo evoluiu ou chegou até nós com o actual
significado! O que é preciso é que a gente se entenda!» — sustentam aqueles que
encontram nesse critério um bom disfarce para uma certa dose de ignorância
linguística.
Nesta
lógica, qualquer dia, apesar de sermos um país territorialmente pequeno, cada
um está legitimado a escrever como se linguareja na respectiva região, e a
língua, em vez de ser um factor de unidade, passará a ser factor de divisão
nacional.
Como
se já não bastasse o sermos um país suficientemente pequeno…!
Já
estão a imaginar o que será o Hino Nacional a ser cantado numa série de
dialectos regionais! Uma verdadeira Babel lusa!
Em
segundo lugar, enquanto alguém que dedicou toda a sua vida activa — para os que
eventualmente o não saibam, já estou pré-aposentado há alguns anos — ao serviço
desta brilhante instituição que é a nossa Polícia Judiciária, não poderia ficar
indiferente à sua fusão num qualquer outro Órgão de Polícia Criminal, perdendo-se
uma referência histórica no combate à criminalidade e na prossecução da Justiça.
Ora,
a tão propalada e não menos polémica questão do enamoramento de outras forças
policiais, seus dirigentes e certos políticos, pela Polícia Judiciária, apesar
de sexagenária — conta já 66 anos — não é, de todo, um fenómeno recente.
Alegam
maior eficácia operacional, melhor rendibilização dos meios, maior economia,
como se a grande maioria dos políticos e dirigentes deste país alguma vez se tivesse
preocupado com isso! Enfim!
A
verdade é que já outros países implementaram um tal modelo e o resultado foi, eles
próprios o vieram a reconhecer, um completo fracasso.
Sinceramente,
muito me custaria ver uma P.J., por muitos considerada das melhores polícias de
investigação criminal do mundo, apesar da escassez de recursos com que sempre
se debateu, ser desviada do seu histórico objectivo que esteve na sua origem e
sempre a caracterizou: o de auxiliar da acção da justiça na consecução do seu
objectivo último, como seja a realização do justo enquanto valor não apreensível
por qualquer poder ou regime político instalado.
Mesmo
assim, tal como está, a justiça já vem sendo o que se vê, infelizmente. O que
seria, pois, se tivesse outros interesses a condicionarem-lhe a acção e a
subverterem-lhe os fins!
Recuso-me
sequer a imaginar.
Por
último, deixem-me dizer-lhes duas palavras acerca do título deste livro e seu
conteúdo, já que a apreciação da obra em si é trabalho que deixo para os meus estimados
leitores.
“E AGORA?”
Quantos
de nós, ao longo das nossas vidas afectivas, profissionais, enfim, já não nos
deparámos com contratempos, obstáculos, na nossa caminhada para a felicidade, que
nos fizeram levar as mãos à cabeça, como quem se sente perdido numa
encruzilhada e completamente às escuras?!
Com
efeito, a primeira pergunta que nos ocorre, numa situação dessas, depois de nos
lastimarmos, ou de verberarmos a má sorte, é exactamente: “E AGORA?” O que vou
eu fazer? Como é que vou sair disto?
E
é nesse preciso momento de angústia e reflexão, nesse balanço dramático em que
inventariamos os estragos, que temos de encontrar uma resposta para a dita
pergunta, definindo novos rumos, traçando novas coordenadas, porque a vida
assim o exige, nem que para tal tenha de se passar uma esponja sobre as mágoas,
lamber as feridas, remover os destroços de todas as batalhas perdidas e limpar
as armas, para, se necessário, recomeçar tudo de novo, como muito a propósito
sugere o aspecto gráfico do “G” de “AGORA”.
Parafraseando
Ortega Y Gasset, «Eu sou eu e a minha circunstância».
E
a minha circunstância é todo o universo em que me situo, seja o meu mundo interior
seja o exterior.
Circunstância
que tanto pode ser determinada por factores intrínsecos, como extrínsecos ao
sujeito, como até por ambos.
Ora,
é nesta permanente dialéctica entre o eu
e a minha circunstância e a sua tão
necessária quão possível harmonização que o ser, se é que o é, se vai construindo
e o caminho se vai fazendo.
Um
caminho que, todos o sabemos, não é linear, nem de sentido único.
Está
cheio de altos e baixos, de obstáculos e encruzilhadas, tanto nos podendo
conduzir ao sucesso como ao fracasso.
E
é nesse confronto dramático com o fracasso que, volto a repeti-lo, a pergunta mais
insistentemente nos assalta: «E AGORA?».
É,
pois, de dramas, de emoções, de êxitos, frustrações e muitos outros sentimentos
e preocupações que este livro, enquanto romance, trata.
Irão,
por certo, ao longo da sua leitura, deparar com sensibilidades diversas e
contraditórias entre as suas personagens, com vidas e comportamentos de alguma
forma condicionados por preconceitos, mitos, com momentos em que a razão e a
crença, a ciência e a fé conflituam, em que os verbos ser e amar nem sempre têm
o mesmo significado.
«Passar dos fantasmas da fé para os espectros
da razão é somente ser mudado de cela» — escreveu, um dia, Fernando Pessoa.
De
facto, parece que somos inexoravelmente forçados a viver mais ou menos
entalados entre estas duas condicionantes do nosso pensar, do nosso agir para
com nós próprios e para com os outros.
Mas,
e apenas para concluir, permitam-me que volte a citar Fernando Pessoa:
«Façamos da nossa falência uma vitória. Uma
coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual. Se
a vida não nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la,
ainda que mais não seja com a sombra dos nossos sonhos…»
Enfim,
coisas da vida!
Espero,
sinceramente, que o livro seja do vosso agrado e que experimentem tanto gozo ao
lê-lo, como eu experimentei ao concebê-lo, apesar da sua longa gestação.
Mais
uma vez, a todos o meu muito obrigado.
Miguel
Henriques
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