AS
PRAXES
Muito
se tem escrito e falado, ultimamente, sobre as praxes académicas, especialmente
porque de algumas delas têm resultado consequências nefastas para a vida, integridade
física, psicológica e moral dos que a elas são sujeitos, culminando no trágico desaparecimento
recente de seis alunos da Universidade Lusófona, nas águas revoltas da praia do
Meco, em Setúbal.
A
questão é polémica e, como tal, susceptível de opiniões diversas e até
divergentes, ou não fôssemos todos nós seres diferentes, com personalidades e
sensibilidades muito peculiares, para já não falar da diferente forma de encararmos
o nosso relacionamento com os outros.
A
praxe académica, segundo os seus defensores, serve para integrar os caloiros no
meio estudantil. Significa isto que, sem ela, não vão eles sentir-se marginalizados
e verem condenados ao fracasso os seus esforços e os dos seus pais ou de quem
quer que lhes pague a formação, no sentido de se habilitarem com um diploma
que, suposta e legitimamente, uns anos mais tarde, lhes possa facultar a abertura
das portas para a realização do seu sonho profissional!
Cada
um é como é e até aceito que aqueles cuja mentalidade está formatada para uma
espécie de sobrevivência grupal não consigam ser nada nem ninguém fora do grupo
e tenham uma necessidade absoluta dessa integração. Sinceramente, nunca precisei
de grupo nenhum para sobreviver, nem para me afirmar académica e
profissionalmente. Aliás, devo confessar que a minha experiência de trabalhos escolares
em grupo é péssima, já que sempre fui eu a ter de o fazer e pronto.
Na
verdade, durante o tempo em que frequentei a Universidade, eu não tinha tempo
nem sequer para me coçar, como soe dizer-se, quanto mais para andar nas praxes!
A minha preocupação sempre foi, essa sim, aproveitar todo o tempo que me sobrava
do exercício da minha profissão, para o dedicar ao estudo, devorando, a esmo,
manuais, sebentas e apontamentos obtidos junto de outros colegas, para que não viesse
a ser mais um dux, “honraria” que sempre dispensei. Tempo esse que roubei à família,
aos amigos e ao meu próprio lazer.
Os
meus “ídolos” sempre foram aqueles que conseguiram acabar o curso no seu tempo curricular
normal e não aqueles que por lá se iam arrastando, ano após ano, ocupando vagas
que muita falta faziam a outros que, por as verem ocupadas, não puderam
ingressar na Faculdade dos seus sonhos e, quiçá, torrando nessas borgas o
dinheiro que, sabe-se lá com que custo, os seus pais iam retirando ao seu
próprio conforto, para lhes proporcionarem um modo de vida, se possível, mais confortável do que a deles.
Mas,
cada um é como é, e lá sabe a consideração em que tem a “sua” escala de
valores. Aquilo que para mim seria um estigma, o ser dux, para outros parece ser um estatuto, uma honraria. Enfim,
pontos de vista!
Só
que, infelizmente, as praxes não se têm limitado a um mero folclore académico
com eventual prejuízo para o estudo. Têm-se tornado o local e o momento propício
para a prática das maiores perversidades, uma espécie de sublimação de maus
instintos, para aqueles que sentem necessidade de se afirmar através da
humilhação dos outros.
É
certo que me dirão: «Bom, mas há gostos para tudo! Não há quem goste de
sadomasoquismo?!»
Então,
que não se excluam nem se estigmatizem aqueles que se recusam a participar
nesses deprimentes rituais. Participa quem quer, sujeita-se às humilhações quem
gosta, mas que não o façam em espaços públicos. Sim, porque não me parece que se
trate apenas de uma questão de disponibilidade de direitos do foro particular.
Há, obviamente, outros valores que se lhe sobrepõem e que julgo supérfluo estar
aqui a enumerar.
Aflige-me
assistir à humilhação de quem quer que seja, ao atentar contra a sua dignidade,
seja de que forma e por que meio for, na escola, na universidade, na tropa, no novo
emprego… ainda que, no final, e com muitos sorrisos, receba umas palmadinhas
nas costas com o inerente pedido de desculpas, a pretexto de que tudo aquilo
não passara, afinal, de uma simples brincadeira.
Expor
ao ridículo quem quer que seja, só porque acaba de chegar, não é uma atitude
que dignifique quem a pratica nem quem a ela se sujeita, ainda que mais ou
menos voluntariamente. Hospitalidade ou arte de bem receber é outra coisa completamente oposta.
Porto,
28-01-2014
Miguel
Henriques
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