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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

AS PRAXES




AS PRAXES

Muito se tem escrito e falado, ultimamente, sobre as praxes académicas, especialmente porque de algumas delas têm resultado consequências nefastas para a vida, integridade física, psicológica e moral dos que a elas são sujeitos, culminando no trágico desaparecimento recente de seis alunos da Universidade Lusófona, nas águas revoltas da praia do Meco, em Setúbal.

A questão é polémica e, como tal, susceptível de opiniões diversas e até divergentes, ou não fôssemos todos nós seres diferentes, com personalidades e sensibilidades muito peculiares, para já não falar da diferente forma de encararmos o nosso relacionamento com os outros.

A praxe académica, segundo os seus defensores, serve para integrar os caloiros no meio estudantil. Significa isto que, sem ela, não vão eles sentir-se marginalizados e verem condenados ao fracasso os seus esforços e os dos seus pais ou de quem quer que lhes pague a formação, no sentido de se habilitarem com um diploma que, suposta e legitimamente, uns anos mais tarde, lhes possa facultar a abertura das portas para a realização do seu sonho profissional!

Cada um é como é e até aceito que aqueles cuja mentalidade está formatada para uma espécie de sobrevivência grupal não consigam ser nada nem ninguém fora do grupo e tenham uma necessidade absoluta dessa integração. Sinceramente, nunca precisei de grupo nenhum para sobreviver, nem para me afirmar académica e profissionalmente. Aliás, devo confessar que a minha experiência de trabalhos escolares em grupo é péssima, já que sempre fui eu a ter de o fazer e pronto.

Na verdade, durante o tempo em que frequentei a Universidade, eu não tinha tempo nem sequer para me coçar, como soe dizer-se, quanto mais para andar nas praxes! A minha preocupação sempre foi, essa sim, aproveitar todo o tempo que me sobrava do exercício da minha profissão, para o dedicar ao estudo, devorando, a esmo, manuais, sebentas e apontamentos obtidos junto de outros colegas, para que não viesse a ser mais um dux, “honraria” que sempre dispensei. Tempo esse que roubei à família, aos amigos e ao meu próprio lazer.

Os meus “ídolos” sempre foram aqueles que conseguiram acabar o curso no seu tempo curricular normal e não aqueles que por lá se iam arrastando, ano após ano, ocupando vagas que muita falta faziam a outros que, por as verem ocupadas, não puderam ingressar na Faculdade dos seus sonhos e, quiçá, torrando nessas borgas o dinheiro que, sabe-se lá com que custo, os seus pais iam retirando ao seu próprio conforto, para lhes proporcionarem um modo de vida, se possível, mais confortável do que a deles.

Mas, cada um é como é, e lá sabe a consideração em que tem a “sua” escala de valores. Aquilo que para mim seria um estigma, o ser dux, para outros parece ser um estatuto, uma honraria. Enfim, pontos de vista!

Só que, infelizmente, as praxes não se têm limitado a um mero folclore académico com eventual prejuízo para o estudo. Têm-se tornado o local e o momento propício para a prática das maiores perversidades, uma espécie de sublimação de maus instintos, para aqueles que sentem necessidade de se afirmar através da humilhação dos outros.

É certo que me dirão: «Bom, mas há gostos para tudo! Não há quem goste de sadomasoquismo?!»

Então, que não se excluam nem se estigmatizem aqueles que se recusam a participar nesses deprimentes rituais. Participa quem quer, sujeita-se às humilhações quem gosta, mas que não o façam em espaços públicos. Sim, porque não me parece que se trate apenas de uma questão de disponibilidade de direitos do foro particular. Há, obviamente, outros valores que se lhe sobrepõem e que julgo supérfluo estar aqui a enumerar.

Aflige-me assistir à humilhação de quem quer que seja, ao atentar contra a sua dignidade, seja de que forma e por que meio for, na escola, na universidade, na tropa, no novo emprego… ainda que, no final, e com muitos sorrisos, receba umas palmadinhas nas costas com o inerente pedido de desculpas, a pretexto de que tudo aquilo não passara, afinal, de uma simples brincadeira.

Expor ao ridículo quem quer que seja, só porque acaba de chegar, não é uma atitude que dignifique quem a pratica nem quem a ela se sujeita, ainda que mais ou menos voluntariamente. Hospitalidade ou arte de bem receber é outra coisa completamente oposta.



Porto, 28-01-2014


Miguel Henriques

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