CORES, AROMAS, SONS E SABORES
Chegou
o mês de Maio e com ele o colorido das giestas amarelas, também conhecidas por
“maias” e seu aroma típico, despontando aqui e além, bordejando e colorindo as
rodovias, aqui mesmo, nos arredores da capital do norte, para onde me mudei de
armas e bagagens, e por cá fiquei, há cerca de quatro décadas, proveniente do
belíssimo recanto lafonense, o não menos belo e multifacetado concelho de São
Pedro do Sul.
E só
isto, de per si, já constituiria motivo mais do que suficiente para uma fuga ao
bulício da cidade e procurar refrigério na paz da montanha, no sampedrense
maciço montanhoso da serra da Gralheira, uma das que serviram de guardas ao meu
berço, a par das da Lapa e do Caramulo, onde, por esta altura, a natureza se esmera
obsequiando-nos com uma deliciosa ementa de cores, aromas e sons, servida com
todo o requinte, numa toalha multicolor que se estende por quilómetros e
quilómetros, a perder de vista.
Recantos
e encantos que as selvas de betão em que as cidades se tornaram não comportam. Tudo
natural, tudo belo, tudo maravilhoso!
Aqui, na cidade, não faltam gaivotas, pardais, rolas domésticas, andorinhas… mas faltam-me as
rolas bravas, o cuco, o cantar do grilo, o coaxar das rãs, o zumbido das
abelhas, o céu estrelado, o par do mocho, à noite… Sons da infância que a
distância levou e que, não raras vezes, acordam numa imensa vaga de nostalgia
que me acode. Falta-me aquela paleta de cores com que a Primavera pinta os
nossos campos, as nossas montanhas. Falta-me o aroma dessa imensa variedade de
flores campestres, dos seus néctares, o som dos insectos que as enxameiam...
Enfim,
é uma pena que o dom da ubiquidade não seja, também, apanágio do comum dos
mortais!
E,
assim sendo, se quisermos ressaborear tudo isso, buscar essas fontes de
deleite, teremos de sair da urbe, deixar esta selva de betão e demandar os campos, as montanhas, seus
habitats de eleição.
Ora,
foi para cumprir esse desiderato que, anteontem, Domingo, 10 de
Maio, logo pela manhãzinha, nos levou a rumar ao maciço montanhoso
da Serra da Gralheira, percorrendo-a desde a Freita ao S. Macário, fruindo dos
seus maravilhosos recantos e encantos, do seu bucolismo em toda a sua beleza e esplendor.
O
dia, aqui na região do Porto, acordou envolto numa neblina, desmentindo as
auspiciosas previsões da meteorologia que apontavam para um dia de sol e de
subida da temperatura do ar, condições ideais para o aprazado passeio e para os
registos fotográficos que se pretendia. Talvez fosse passageira – pensámos –,
há que arriscar, até porque a floração não dura sempre. Além do mais, estas
neblinas matinais primaveris, di-lo a experiência, a maior parte das vezes
circunscrevem-se a vales e zonas mais húmidas. Logo, seria muito provável que
lá, nos picos da montanha, o céu estivesse limpo, como se desejava.
Mal
iniciámos a subida da serra da Freita, de Chão de Ave para o Merujal, já o
nevoeiro se dissipara. De lá do alto da Senhora da Lage, freguesia de Urrô, vislumbrava-se
apenas ao longe alguns pequenos bancos de nevoeiro, nas zonas mais próximas do
rio Douro.
Com efeito, o dia estava óptimo para o passeio e havia que fruí-lo.
A
primeira etapa teve como meta a famosa Cascata da Frecha da Mizarela, próximo de
Albergaria da Serra, no rio Caima, um afluente do Vouga.
Trata-se de uma queda
de água com cerca de 75 metros de altura, em pleno planalto granítico da Serra
da Freita, a cerca de 900 metros de altitude.
Logo
ali a um passo, nas imediações do lugar da Castanheira, mais uma visita obrigatória
ao raro fenómeno geológico, aliás, parece que único no mundo, que são as
vulgarmente designadas “pedras parideiras”.
Com efeito, trata-se pequenos
nódulos de mica preta incrustados no granito e que por força da erosão deste,
mais rápida do que a dos nódulos, faz com que estes acabem por ir permanecendo
até se soltarem da “pedra-mãe”, a “parideira”, deixando em seu lugar pequenas
concavidades.
A
partir daqui, tirámos o azimute para terras sampedrenses e estabelecemos nova
etapa até Manhouce, onde pretendíamos saborear a famosa vitela à moda da terra,
já que ali chegaríamos a horas de almoço.
Porém, vimos gorados os nossos
intentos, já que, no que nos pareceu o restaurante mais moderno do lugar, nos
foi dito que, ao Domingo, não se serviam refeições.
Bom,
não havia “vitela à Manhouce”, mas talvez se conseguisse, na região, “vitela à
Lafões”.
E lá fomos até Campia, Vouzela, onde no bem conhecido Restaurante
Sacristão, pejado de comensais, nos deliciámos com um excelente prato de vitela
com batata assada em forno de lenha. Foram mais uns quilómetros fora da rota,
mas valeu a pena.
E lá
regressámos a Manhouce, para retomar a viagem rumo ao S. Macário. Atravessámos a
aldeia da Coelheira, freguesia de Candal, São Pedro do Sul, em cujas imediações
fomos surpreendidos por gado vacum à solta, a pastar, sem que alguém o guardasse,
circulando livremente pela estrada, a fazer-nos lembrar a Peneda-Gerês. Razão
tinha, creio que o poeta António Correia de Oliveira, quando disse que "Lafões é um pedaço de Minho perdido nas Beiras"!
E lá
fomos prosseguindo o nosso périplo pelo cume da montanha, pára aqui, pára
acolá, para observação da natureza e as fotografias da praxe, e em marcha lenta
para minimizar o impacto da nossa presença naquele éden, tentando reduzir ao
mínimo as baixas na população apícola que, laboriosamente, se ocupava na recolha
dos pólenes e néctares, troando os ares com o seu zumbido e que constantemente
esbarrava contra o pára-brisas da nossa viatura.
Perante
tudo isto, uma enorme dúvida nos assaltou: qual será o impacto do movimento das
gigantescas pás das enormíssimas torres eólicas na circulação das abelhas? Será
que elas se conseguem furtar ao seu movimento? Bom seria que o conseguissem,
mas…
E o
sol ia declinando no horizonte. Urgia, pois, encetar o regresso a penates. Saciados de
tanta beleza, de tantas cores, tantos aromas, tantos sons e alguns sabores,
houve ainda tempo e ensejo para levar um abraço a uma amiga de infância, na
freguesia de Sul, e para, juntos, passarmos um bom bocado em amena cavaqueira.
Porto,
12-05-2015
Miguel
Henriques
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